terça-feira, 30 de junho de 2009

Fábio Mozart / Ética dos excluídos.

Ética dos excluídos.

Fábio Mozart

Uma certa matrona de Mari, que se diz educadora, useira e vezeira dos modos da nossa burguesia corrupta de 500 anos, disse certa vez em meu programa de rádio que "todos roubam, uns mais, outros menos, mas o roubo é lugar comum na sociedade brasileira". E assim parece ser o caráter do brasileiro classe média/merda, aquele que tem como princípio a lei de Gerson: levar vantagem em tudo. Mas nem só de ratos burgueses se faz o cotidiano da nossa sociedade desigual e safada. Tem ladrão que nunca se enquadra na lógica perversa do capitalismo dito selvagem; tem, ainda, ladrões românticos, os que roubam para dar aos pobres, o que "rouba, mas faz", o traficante do morro que protege a comunidade pobre e desamparada pelo Estado. No Brasil que exibe uma das piores taxas de concentração de riqueza e desigualdade do mundo, neste navio negreiro Brasil, a gente trata os do submundo com a brutalidade de sempre, mas eles, os chamados excluídos, às vezes, são capazes de ações comoventes. Daí, a gente que já se acostumou, em silêncio, a admitir sem indignação as humilhações desumanas dos pobres nos hospitais, a impunidade assegurada aos ricos, a discriminação contra as minorias, nós que já achamos natural o massacre imposto aos mais humildes pela política cada vez mais excludente dos governos no Brasil, de vez em quando, a gente sente vontade de tomar vergonha na cara e deixar de ser pernicioso, e olhar melhor para esse país e seu povo.


Tudo isso pra dizer que, um belo dia roubaram o gravador da Rádio Comunitária Araçá FM, de Mari, o nosso aparelhozinho que serve para as entrevistas de campo. O ladrão roubou o gravador do carro de um amigo, em um bairro "barra pesada". Eu fiz um apelo no meu programa diário, tratei o ladrão por Vossa Excelência, argumentei que o gravador pertencia à comunidade, como toda a rádio, e que, se ele fizesse o favor de devolver o aparelho, todos ficaríamos gratos pela gentileza. Quando saí do estúdio, um rapaz de aspecto "suspeito" esperava-me para devolver o gravador, pedir desculpas e sustentar que, se soubesse que era da rádio comunitária, não o teria roubado. Esse ato serviu como uma lição de ética, mas uma ética diferente, em confronto com a moral acanalhada burguesa. Com a palavra o filósofo inglês Bertrand Russel: "O liberalismo acha perfeitamente natural o patrão dizer ao empregado: 'morrerás à míngua'. Mas não concorda se o subordinado responder: 'morrerás antes à bala!'". Os sem terra famintos promovem saques e a gente se horroriza, o governo rouba milhões de pobres aposentados e a gente fica indiferente.



O ladrão que devolveu o gravador da rádio popular ainda acredita que os de sua classe podem ter voz algum dia, e a rádio popular pode ser esse canal. Por isso, ele sorri ao afirmar, meio envergonhado, que ouve a rádio todos os dias. Ele ainda sorri, mas qualquer dia vai começar a ranger os dentes. A rádio comunitária, como obra em aberto que é, pode ser - e de fato tem sido - o referencial de uma revolução silenciosa (nem tanto!) que os sem comunicação estão fazendo neste país, e que por sua natureza, vai além da comunicação pura e simples. Trata-se de construir e desconstruir discursos ideológicos e políticos. A verdadeira rádio comunitária está em permanente estado de construção/desconstrução no cotidiano social. Um dia os tubarões das rádios e TVs comerciais nos chamaram de "rádios piratas". Nós respondemos, taxativamente, que piratas são eles que correm atrás do ouro. Corremos, isso sim, atrás desse relacionamento, dessas trocas culturais, abrangendo a afetividade, o imaginário popular, o novo saber e sentir comunitário, que faz um ladrão devolver o produto do roubo, porque, de um jeito ou de outro, ele tem certa consciência de que a rádio comunitária é uma apropriação coletiva dos instrumentos da comunicação mediática. São as classes subalternas em luta pela superação do conflito entre a subalternidade e o poder conservador hegemônico da sociedade.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

TRIBUNA DO VALE

Tribuna em crise:

Fábio Mozart

www.fabiomozart.blogspot.com

Ao chegar na rodoviária de Itabaiana, sou abordado por Lourenço jornaleiro, perguntando pelo “Tribuna do Vale”, nosso mensário que circula há seis anos na região do vale do Paraíba. Os assinantes reclamam que suas assinaturas não foram renovadas e há alguns meses não recebem as edições do jornal. É a crise! Só se fala nisso no Brasil. Essa tal de crise vem sendo desculpa para muito incompetente.

Em tempos de dificuldades, as empresas precisam redobrar os esforços para cumprir o que prometeram aos clientes. Isso nós fizemos. Publicamos o jornal e entregamos na casa de cada assinante até o último mês do contrato, mesmo assumindo prejuízo financeiro. Agora, vamos esperar passar o tempo de vacas magras para voltar.

Neste ano de 2009, o jornal TRIBUNA DO VALE completa seis anos de circulação no Vale do Paraíba, com algumas interrupções. O jornal, como bem cultural, tem a propriedade de fixar a vida que passa. Daqui a cem anos, os pesquisadores estarão se debruçando sobre as coleções do TRIBUNA DO VALE, pois um jornal centenário oferece uma oportunidade singular em termos de registros históricos, documentando a vida em suas tristezas, emoções e sobretudo relatando com responsabilidade e respeito, como é nosso caso, os fatos ocorridos.

Enquanto não comemoramos nosso centenário, vamos fazendo história, e nos credenciando perante nossos leitores. Na edição de janeiro de 2003, quando registramos o episódio da invasão da redação deste jornal pela Polícia Federal, e a prisão dos seus redatores, escrevi que o TRIBUNA DO VALE comemorava o primeiro ano de existência em Itabaiana e cidades circunvizinhas, ostentando a fama de se antecipar e abrir caminhos em vários aspectos, nessa seara do jornalismo matuto. Somos pioneiros, em Itabaiana, no formato tablóide francês. Que se saiba, em Itabaiana jamais circulou um periódico com esse formato. Depois, a TRIBUNA também é pioneira na rede mundial de computadores, sendo o primeiro jornal da região a ter sua edição on line, na Internet. (Atualmente estamos com nossa página fora do ar). No aspecto de gênero, somos o primeiro periódico itabaianense a ser dirigido por uma mulher, o que nos coloca com muito orgulho na vanguarda social, pois atualmente as mulheres avançam, com sua capacidade e sensibilidade, no comando das ações que exigem disciplina, tenacidade e sentimento. Ponto para a jornalista e radialista Clévia Paz, nossa estimada amiga.

Fazer jornal no interior é uma missão de vida, antes de ser um empreendimento comercial. Somos o primeiro jornal sediado em Itabaiana a circular em 12 cidades da região. Nessas comunidades, a TRIBUNA DO VALE já se consolidou como um veículo de debate das questões que interessam ao povo e aos seus governantes, com respeito e competência.

Sobre o episódio da invasão de nossa redação pela Polícia Federal, 14 dias após a posse do presidente Lula, registramos nosso orgulho por mais esse pioneirismo. Fomos presos, eu e o compadre Marcos Veloso, acusados de incentivar a livre manifestação do pensamento, através de uma emissora comunitária de baixa potência. Esse fato ficou registrado no rol das lutas libertárias de Itabaiana, onde o Brasil aprendeu as primeiras lições de liberdade, ainda no período colonial. Sem querer ser heróis de nada, nós, que fomos detidos por abrigar projetos de livre expressão, sofrendo a repressão política do governo do PT, aparecendo na mídia nacional como os primeiros presos políticos da era Lula, hoje vemos o Brasil ser denunciado na Organização dos Estados Americanos por conta da violência praticada contra as rádios comunitárias. Por não se tratar de um delito, como afirmou o Juiz Emiliano Zapata, ao absolver os redatores da TRIBUNA DO VALE, não é um crime de repressão. Muitos juízes brasileiros não consideram crime o funcionamento de rádios comunitárias sem licença, pois o Estado é omisso, ao não dar resposta aos pedidos de concessão de canal.

Mas isso é outra história. Hoje queremos apenas comemorar a sobrevivência, por seis anos, desse pioneiro projeto de comunicação, agora com mais um registro histórico: somos o primeiro jornal de Itabaiana impresso em policromia, em edições com 10 páginas. A Tribuna vai retornar porque é um projeto de vida, antes de ser um empreendimento.

domingo, 28 de junho de 2009

Merendeira tem cargo de direção na escola de Araçagi.

Fábio Mozart

Araçagi é uma pequena cidade do brejo paraibano, que vive somente do Fundo de Participação dos Municípios. Não me cabe analisar dados econômicos e políticos para no fim apontar as causas do atraso econômico e social dessas pequenas cidades, que isso é papel dos cientistas. Como vivo a realidade no dia-a-dia dessas pequenas comunas, tenho cá com meus botões que isso se deve à irresponsabilidade dos dirigentes, da classe política nessas comunidades. Eles não têm nenhum compromisso com a educação, por exemplo. Você vê as crianças sendo transportadas em caminhões para as escolas, as unidades educacionais dos municípios abandonadas, professores sem capacitação e sem nenhum incentivo.

Em Araçagi, soube que a merendeira foi alçada ao cargo de diretora de uma escola na zona rural, por ser muito amiga do prefeito e ter dado uns votos para ele. Com a vitória do candidato da oposição, saiu a merendeira e assumiu o cargo o porteiro, que é um fiel cabo eleitoral do atual prefeito.

Uma escola onde a merendeira tem cargo de direção, e o porteiro idem, é apenas uma das muitas anomalias na área educacional nesses confins. Na cidade de Mari, assumiu o cargo de prefeito um grande produtor rural (isso na década de 80) que não tinha muita intimidade com as letras. O jardineiro da cidade tinha diploma de terceiro grau. Quando o jardineiro tomava umas carraspanas, saía pela rua gritando:

--- Mari, cidade onde o prefeito é analfabeto e o jardineiro é doutor!

A Paraíba é feita dessas inversões de valores. O efeito vinculante é a massa de semi-analfabetos que sai dessas escolas, para reproduzir a miséria que por sua vez reproduz os modelos arcaicos da política das oligarquias. E o atraso continua.

Em verdade, as nossas esperanças históricas quase que se esvaem no quesito educação. Razão tem o senador Buarque quando defende a federalização de todas as escolas do país. Por que todo rico quer estudar em escolas federais? Porque tem qualidade, os professores são qualificados e bem remunerados. Imagine uma escola desse tipo para nossas crianças pobres, na educação de base.

O poder de criação e sensibilidade do nosso povo superou muitas vezes o atraso educacional. Os maiores poetas populares eram analfabetos. O espírito generoso do meu povo escreveu uma história cultural muito bonita, mas na hora da onça beber água, quando a gente precisa de pessoas qualificadas para produzir o progresso material, o Nordeste fica na rabeira por falta da educação formal. O poeta Zé da Luz escreveu um belo poema sobre um assassino que matou a esposa porque não soube ler um bilhete que ela escreveu para um galanteador. “Que crime não saber ler!”, exclamava o poeta.

Pois aqui eu digo: que crime se comete contra o futuro de uma geração, quando se abandona a educação e, pior, se usa para fins de politicagem.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Fábio Mozart / JOÃO DANTAS, UM TRIBUNO DO POVO

JOÃO DANTAS, UM TRIBUNO DO POVO

Fábio Mozart

A Geração itabaianense da década de 50 certamente conheceu o mestre Daciano Alves de Lima no apogeu de suas atividades artísticas, culturais e políticas. Foi um homem que, com esse passado e categoria, bem merece dar nome a uma rua importante da velha terra de Zé da Luz. Esclarecendo que Daciano foi amigo e cunhado de Zé da Luz e, por seu intermédio, a obra do grande vate matuto ganhou o mundo. Abrindo ainda outro parêntese para anunciar, com orgulho, que Zé da Luz está entre os 100 maiores poetas brasileiros do Século XX, na opinião dos mais renomados intelectuais do país.

Mas voltemos à Itabaiana da era de 50 a 60, com um grupo de intelectuais, artistas e operários fundando a União dos Artistas e Operários de Itabaiana, sob o comando de Daciano, Neco Frizo e outros baluartes, entre eles um alfaiate de nome João Dantas que, semi-analfabeto, era um tribuno inflamado, para deleite e atratividade de tudo quanto era inauguração, comício, reunião e velório. Sua voz de tonalidade arrebatada encantava os conterrâneos e empolgava a juventude itabaianense, segundo testemunho do professor Odésio Amorim, na época, telegrafista da velha Estação Ferroviária. Toda essa elite intelectual e política reunia-se na União de Artistas e Operários, um clube beneficente que, de certo, teve influência dos ideais maçônicos, posto que, no frontispício de sua sede, estava lá a simbologia do esquadro e compasso a marcar, na simplicidade de uma agremiação operária, o sonho de fraternidade dos fundadores da União.

Destacando-se dos líderes pela oratória, surgia sempre o João Dantas; quando a multidão enxameava os ambientes festivos, nas reuniões alegres ou de desagravo, quando a massa acorria aos comícios do velho PSD, liderado por José Silveira, lá estava João Dantas que só falava devidamente paramentado de gravata. Orador consciente dos seus dotes e carisma, não dispensava a vestidura tradicional, a guarnição de todo tribuno, que era o paletó de linho e a indefectível gravata. Sem gravata, não havia discurso de João Dantas. Tanto que, convidado de última hora para “dar uma palavrinha”, o virtuoso da palavra recusava a honra, mas sem gravata não lançaria a luz da sua oratória.

O oficial dos arreios e selas que foi Daciano Alves de Lima juntava seus amigos em sua oficina da Rua da Gameleira, e era João Dantas quem dava o tom que agitava o marasmo da Itabaiana de então, nas lutas políticas lideradas pelo populismo de centro-esquerda de um político de origem conservadora, mas que foi, no restrito espaço da província, um estadista. Este era José Silveira, para cuja vida política o tribuno popular João Dantas dedicou o melhor do seu talento, a viveza de sua imaginação, o requinte do discurso mais profundo e fervoroso. E foi em plena passeata de campanha de José Silveira, na subida do Alto dos Currais, que o coração de João Dantas parou e sua alma subiu a outro status, sempre de gravata, enfileirando-se na galeria dos grandes tribunos populares nascidos em Itabaiana. Era uma lenda viva, um singular líder do povo que, na sua humildade, sempre foi fiel aos ideais de fraternidade e união de classes.

Seu ídolo político, José Silveira, mandou construir uma casinha que ofertou à viúva, um reconhecimento do generoso político ao seu seguidor mais fiel, ao orador que traduzia os sentimentos do povo e transvertia toda emoção da palavra nas grandes manifestações de massa de Itabaiana de outrora, no tempo em que ainda havia mais vida inteligente neste planeta às margens do Paraíba.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Fábio Mozart / O estuprador misterioso.

O estuprador misterioso.

Fábio Mozart

A imprensa vem divulgando notícias de um suposto vereador estuprador na cidade de Sapé, uma história que já saiu do sério para entrar naquela faixa de pura sacanagem, não no sentido de bandalheira e devassidão (coisa que, nas câmaras deste país, acontece rotineiramente), mas no aspecto gozacional, isto é, dando matéria para sujeitos metidos a engraçadinhos como eu e meu compadre João Marcos, também lá de Sapé, “deitar e rolar” na fabricação de piadas e “causos” sobre o tema.

Já dizia um compadre meu: ser vereador é padecer no paraíso! O sujeito sofre que só sovaco de aleijado, ganha pouco, tem que dar esmola (vereador pirangueiro, só se for pastor de igreja milagreira ou cabra de família grande), sofre todo tipo de achaque, dedada em comício, leva nome de corno, ladrão, analfabeto, “fí-de-rapariga”, e agora, pra completar, é suspeito de destabocador de rola. Mas pergunte se algum deles quer largar a rapadura? Nem morta! Um gentil vereador amigo meu, lá de Sapé, confidenciou que a modesta natureza do cargo nem se compara com a sensação do poder, de pessoas simples terem a possibilidade de vetar decisões do prefeito, fazer média com os amigos, dar nome de rua aos parentes, inventar leis sem pé nem cabeça, fingir que combate os ilícitos do prefeito esperando o “toco” que certamente virá, enfim, essas coisas próprias do nosso Poder Legislativo, que não é pra ser levado a sério, porque não se dá ao respeito. Pode ser respeitado um órgão que só se reúne uma vez por semana e tem seis meses de férias por ano? Mas já aconteceu de vereador tirar licença por causa de estafa.


Voltando ao nosso misterioso abusador de meninas, dizem que o FBI, a Polícia Federal, o Cabo Êta e o Sargento Tapa estão no encalço do perigoso acunhador de garotas, que pode ser preso a qualquer momento. Tem vereador querendo ser o “espada” procurado, porque dá status! Já pensaram: a nossa “grande” imprensa faz o “comercial” do safado, ele fatura a imensa publicidade, e como o povo gosta e se encanta com essas figuras escrotas (se não fosse assim não votariam nos pernósticos, safados e tarados que estão aí), o vereador sexualmente degenerado passa a ser um herói, correndo o risco de ser imitado pela nossa jumentíssima juventude e até por membros (êpa!) da nossa alta sociedade.

Outro dia recebi um bilhete de uma esposa de vereador (não é de Sapé) confessando que seu marido é brocha e portanto está fora da lista dos suspeitos. Ela confidenciou que seu marido, por via das dúvidas, está botando um projeto de lei para a Câmara contratar bons psicanalistas para aliviar esses traumas causados, por exemplo, por esse caso do tarado integrante da Câmara Municipal de Sapé. Todos os vereadores estão traumatizados com esse escândalo, e temem que sem um bom psicanalista para recolocar os ids, os egos e os superegos no lugar, os vereadores jamais serão os mesmos. Cidadania é isto. O resto é fofoca de eleitor despeitado.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Fábio Mozart / O caráter do meu povo.

O caráter do meu povo.

Fábio Mozart

O tempo passa e minha terra não muda nada. Itabaiana é uma cidade fofoqueira, preguiçosa e conservadora. Mas espere! Não falo mal da minha cidade adotiva, apenas tento fazer uma reflexão a respeito do espírito itabaianense que, como todo lugar, tem seus méritos e suas mazelas. Os méritos, deixo-os com os ufanistas. Falo da parte ruim da minha “Rainha”, cujo povo é insensato, relaxado e com tendências à ingratidão. Apesar disso, conheço muitos itabaianenses, sensíveis e de bom caráter!

A nossa falta de cultura, nossos índices indecentes de desenvolvimento humano não apagam nossas singelas virtudes, o encanto pela terra que todo visitante experimenta. O filósofo francês Lèvi Straus disse que as cidades brasileiras entravam em decadência sem ter conhecido o apogeu. Itabaiana é diferente. Na década de 20, acreditem, tínhamos bonde, energia (primeiro do que na capital), e uma vida urbana avançada. Itabaiana chegou a manter um jornal diário. Os barões do gado acendiam seus charutos com notas de cem mil réis nos cabarés da cidade, ao som das melhores orquestras e na companhia das mais deslumbrantes damas da noite, bebendo legítima champanhe francesa.

O dinheiro deixou de circular, o antigo fausto deu lugar à decadência, e hoje somos o que a história e a realidade nordestina nos fez: indolentes e antiquados, belos e generosos, subdesenvolvidos e espirituosos. Dizem que a memória do brasileiro não resiste a uma boa noite de sono. Mas é hora de tentarmos recordar nossa História, emocionante e trágica, bela e heróica. Dá pena sentir a atmosfera vaga e imprecisa de uma “rainha” que um dia foi heroína. Em alguns pontos, talvez no essencial, continua a mesma Itabaiana encantadora que Zé da Luz cantou nos seus mais belos poemas.

O jovem itabaianense de hoje precisa estudar a História da terra, para melhor valorizá-la e, quem sabe, adquirir mais confiança, energia e vontade de honrar seus antepassados na luta por causas como direitos civis e melhoria de vida em sua comunidade, compartilhando uma identidade com os homens e mulheres que escreveram a glória do nosso passado até com o sangue heróico, para poder encarar nossa Rainha com orgulho, no que ela tem de pior e de melhor. Esses sentimentos só podem brotar pelo estudo de nosso passado. Só se ama o que se conhece.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

FÁBIO MOZART / Zé Maranhão, o aviador do povão.

Zé Maranhão, o aviador do povão.

Fábio Mozart

O governador Zé Maranhão, da capitania da Parahyba, é um homem decidido e instrumentalizado. Aprendeu a voar desde cedo, e em céu de brigadeiro vem sobrevoando as correntes a favor nesses céus límpidos do realismo fantástico político paraibano. É um comandante consumado. Não só pela capacidade de se manter no poder, à frente de sua imensa boiada, como por ser um sujeito confiante nos seus instrumentos de voo. Dizem que o homem conserta avião em pleno voo. Os mais afoitos bajuladores garantem que ele transcorre tão espontâneo no ar que mais parece uma águia de bico afiado e olhos fitos nos alvos móveis e imóveis de sua Paraíba velha de guerra e de safadezas.

Por sinal, esta terra de muro baixo é talvez onde se encontre mais puxa-sacos por metro quadrado nesse imenso Brasilzinho safadinho. A gente nem se toca, às vezes nem se disfarça. Tem um prefeito aí que apresentou a mulher ao governador:

--- É sua esposa? – Perguntou Maranhão.

--- É nossa! – adiantou o prefeitinho, doido pra agradar.

E vai seguindo o cortejo dos babões, personagens deste universo politiqueiro cujo único comprometimento ideológico é com o poder, seja quem for que estiver no leme.

Conta-se uma piadinha acontecida numa cidade perdida nessas quebradas, onde o governador foi inaugurar um bico de luz, uma rampa de acesso que liga o nada a lugar nenhum, ou qualquer dessas obras fuleiras que desafiam a capacidade de cretinice das nossas autoridades. Em meio aos foguetões, tão ao gosto do nosso piloto, um vereador adiantou-se e começou o discurso:

--- Nosso governador, além de ser um mestre de obras, é um verdadeiro Santos Dumont.

No meio da turba ignara, um bebinho por nome Biu Penca Preta lutava para apertar a mão do homem, sem que a turma dos bajuladores deixasse o cara se aproximar do “mestre de obras”. Outro candidato a baba-ovo exclamou, em vibrante discurso:

--- Governador, o senhor é um falcão voador!

O bebinho, impaciente, também queria dizer seu mote, pra ver se arrumava o real da cana, mas ninguém deixava. Outro pateta gritou, para ser ouvido pelo homem:

--- Governador, o senhor é uma verdadeira águia dos ares!

Chegou a vez do bebinho:

--- Governador, o senhor já não é mais um maranhão, é um verdadeiro carai-de-asa!

domingo, 21 de junho de 2009

Fábio Mozart / Juiz de Mari bate recorde mundial.

Juiz de Mari bate recorde mundial.

Fábio Mozart

Depois de nove anos, retornei a Mari, onde vivi por doze anos. Pense num lugar longe! Pois Mari fica dois dias depois. Não é a distancia geográfica. Falo daquele distanciamento que nos impõe a vida. Eu morando aqui pertinho, em João Pessoa, e só nove anos depois retorno a essa cidadezinha que tem o melhor clima do Nordeste e algumas pessoas merecedoras de uma revisita.

Fui ao escritório do sindicalista Assis Firmino. O homem ta chique, com direito a ar condicionado e pose de executivo. É o manda-chuva do sindicato dos trabalhadores rurais, interino mas é. Como interino, fez umas reformas e tascou uma placa de bronze anunciando a “obra”, perpetuando seu nome, que Assis é a vaidade em pessoa.


Depois fui ao bar de Zezinho Kalai, onde encontrei o próprio e mais alguns papudinhos, do meu antigo time do “Pé Inchado” de tantas glórias garrafais. Tomei umas frias com bode assado e fui ao bar do Nelson, o melhor “pé sujo” da redondeza. Não pelas instalações, sempre sujas e desmanteladas, mas pelos freqüentadores e pelo tira-gosto de traíra. Soube que morreu meu amigo Biu Apaga Luz, um papudinho de respeito, pessoa humana formidável. Seu escudeiro Dedé também se foi, consumido pelo goró de Nelson do Bar.

Saio pelas ruas de Mari com o velho amigo Dr. Jean Monteiro. Revi a casa onde morei, agora abandonada e em ruínas. Mari teve sua geografia reinventada, as pessoas não me conhecem mais. Entretanto, até dos apertos e tristezas sinto saudades, quanto mais das alegrias e coisas boas construídas nesse lugar. Minha casa fica no centro, com vista para o bar. Coisa chique!

Quem me reconhece na rua é Caveirinha, que de pronto me dá um abraço, fala do filho que está com problemas no coração, diz que não está bebendo por conta desse aperreio. Caveirinha é um rapaz cordato, ingênuo e franco. Quando fundei a liga de futebol de Mari, botei Caveirinha no quadro de árbitros, chefiado por João Peão, um senhor da cabeça grande que a gente chamava “cabeça de navio”. João Peão não entendia nada de regra de futebol, mas como ninguém tinha convicção de sua ignorância, arbitrava os jogos e ditava regras. Por exemplo, numa partida ele marcou um pênalti que até o time favorecido achou tão absurdo que nem quis bater a falta máxima. João Peão não titubeou: “eu mesmo chuto o pênalti, pois ta na regra: quando ninguém quer bater, o juiz fica encarregado da cobrança”.

Caveirinha é dono de um recorde mundial, de que muito se orgulha: conseguiu ser agredido em três partidas de futebol no mesmo dia. Pela manhã, apanhou apitando uma pelada de veteranos, à tarde levou umas tapas no jogo de aspirantes da Liga, e à noite foi vítima de cascudos em partida de futebol de salão. Um dia, Caveirinha foi à minha casa em companhia de um sujeito, para certificar-se de sua façanha.

--- Fábio, diz a esse cara se eu não sou o único juiz do mundo que apanhou três vezes em três partidas no mesmo dia.

Confirmado o recorde, os olhos de Caveirinha brilhavam de orgulho:

--- Fábio entende de futebol, cara!

sábado, 20 de junho de 2009

Fábio Mozart / Jornalismo sem moral e sem ética

Jornalismo sem moral e sem ética é o fundamento de periódico paraibano.

Fábio Mozart

“A imprensa reflete o grau de democracia da sociedade e o Brasil ainda não atingiu maturidade política para conviver com uma imprensa livre” – Francisco Karan, autor do livro “Jornalismo, Ética e Liberdade”

“Somos picaretas, mas quem não é?”. Esta é a reflexão do jornal PARAÍBA HOJE, no seu editorial de lançamento, em maio de 2003. O jornal, que circulou em João Pessoa, dirigido por Vanildo Guedes Pessoa Filho, divulga com destaque: “Todo mundo sabe que é impossível, hoje, um veículo de comunicação – seja rádio, TV, jornal ou revista – sobreviver sem um comprometimento da linha editorial com quem está “bancando”, sobretudo o Poder Público. PARAÍBA HOJE chega às bancas sem a pretensão de ser independente ou imparcial. Não queremos cair no ridículo de mostrar que nossos profissionais são isentos dos vícios que a cada dia comprometem os princípios que norteiam a profissão de jornalista. A velha cartilha só existe hoje na memória de uns poucos ou nos escombros dos sebos culturais da vida”.


Essa rapaziada do tal jornal certamente tem diploma universitário, cursou faculdade de comunicação, sendo teoricamente pessoas comprometidas com um jornalismo qualificado, inclusive do ponto de vista do bem. Esse pessoal sai do banco da universidade com essa “garra” toda, suscitando alguma meditação. Primeiro, se eles têm essa convicção de que a imprensa precisa depender dos favores do dinheiro público, sem temer inclusive o escândalo que é admitir publicamente em um editorial, alguma verdade existe sobre o fato.

Sem atentar para qualquer nível de responsabilidade social que um órgão de imprensa deve ter. Depois, ficamos imaginando que tipo de educação tiveram essas pessoas na universidade, e que espécie de informação o homem comum recebe de pessoas e entidades com esse viés, que certamente leva à informação-desinformada ou à deformação. Sem querer apelar para filosofia barata, temo que isso é sinal dos tempos, um fim de civilização mundano e pobre humanamente, em que se perderam noções morais e éticas, que relegou a cultura humanística a um plano secundário. Que perspectiva temos de retirar o povo brasileiro dessa situação de miséria cultural e informativa, quando um jornal confessa que joga sujo e o sindicato da categoria, por exemplo, não se manifesta, e os confrades da província fingem que não é com eles? Pode-se argumentar que é um jornal insignificante, mas isso pode ser uma prova documental, um forte indício de que os que usam e abusam das empresas de comunicação estão preocupados apenas com a perspectiva de se tornarem ricos, opulentos, ou simplesmente “ganhar a vida” alugando sua consciência. O direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial não é respeitado em nenhum nível, conforme esclarece o editorialista do PARAÍBA HOJE, decretando que não existe liberdade de informação jornalística neste país. Para corroborar com essa convicção do “jornalista”, qualquer leitor de mediana inteligência sabe que a imprensa paraibana não cumpre o seu papel de questionar modelos vigentes que deveriam ser alterados em prol da sociedade, com raras exceções, dentre elas o colunista Rubens Nóbrega, do CORREIO DA PARAÍBA. Bater palmas para os poderosos do dia ou encetar campanhas oposicionistas em nome de esquemas políticos manjados, esse é o jogo, o lugar-comum de nossa pobre imprensa, que bem merece a companhia do PARAÍBA HOJE.

Desde 1970 trabalho com essa matéria, a palavra escrita. Naquele ano, um dos mais emblemáticos da ditadura militar recém instalada no Brasil, fundei o JORNAL ALVORADA, em Itabaiana, com o slogan: Aqui vendem-se espaços, não idéias. Depois disso, entre prisões, processos e outros tratamentos injustos que os donos do poder reservavam para os contestadores, fundei os jornais FOLHA DE SAPÉ, O MONITOR MAÇÔNICO e TRIBUNA DO VALE, colaborando no Timbaúba Jornal, A Folha (Itabaiana), Alquimia do Verbo, Umari Notícias, Força de Expressão (Sapé), Itabaiana Hoje e fiz parte da equipe de jornalismo do Portal “Conhecendo a Paraíba”, na Internet. Trabalhei como tipógrafo, fui diretor de imprensa do Sindicato dos Ferroviários e repórter do jornal O NORTE na década de 70, indicado pelo grande jornalista Cecílio Batista, também itabaianense. Desde então, publico crônicas e comentários esparsamente em jornais e revistas, versando sobre arte, fatos locais, apreciação histórica, sociológica ou mera composição literária. Sou autor dos livros PÁTRIA ARMADA, MANOEL XUDU, O PRÍNCIPE DOS POETAS REPENTISTAS, HISTÓRIA DE ITABAIANA EM VERSOS e A DEMOCRACIA NO AR, livro que conta a história do radialismo comunitário na Paraíba, área onde atuo desde 1990, tendo fundado as rádios Araçá, Zumbi dos Palmares e Vale do Paraíba.

Com essa vida de jornal, fui procurar o sindicato da categoria para o devido registro profissional. Do alto do seu preconceito, nosso amigo Land Seixas colocou tantos obstáculos que desisti de ser “jornalista profissional”. Land acredita que a formação acadêmica é indispensável ao trabalho do jornalista. Defendendo a sua categoria, ele acha que o dano causado à sociedade por uma palavra escrita erradamente, um texto fora do contexto, é muito maior do que aquele causado pelo “jornalista” que força a barra, inventa notícias, cria fatos e divulga informações com apenas uma versão, para servir a interesses de quem paga. Confesso que não sou um bom jornalista. Ainda hoje erro muito, com a humildade de estar sempre aprendendo. Mas nunca me deixei corromper, e isso não se aprende na universidade. Aprendi muito sobre ética com meu pai, Arnaud Costa, velho jornalista que muito honra as tradições de cultura de Itabaiana, a terra de Zé da Luz. Se, para ser jornalista profissional, para “ganhar a vida” nesse ofício é necessário abrir mão da independência, como esclarece o jornaleco citado no início, prefiro continuar fazendo meu trabalho de forma séria e responsável, mesmo que clandestinamente, sujeito à rigorosa fiscalização do sindicato de Land Seixas. Mesmo que o “profissional” Vanildo Guedes Pessoa Filho ache ridículo e ultrapassado essa história de ética na imprensa.

(Publicado no jornal TRIBUNA DO VALE, de Itabaiana, em março de 2003)

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Fábio Mozart / “Fuleiragem music” domina rádio de Sapé.

“Fuleiragem music” domina rádio de Sapé.

Fábio Mozart
www.fabiomozart.blogspot.com

Uns chamam de “forró estilizado”, outros rotulam essas bandas de “fuleiragem music”. As bandas, por sua vez, batizam-se de “forró romântico”. Não passa de um modismo cuja receita é muita baixaria e machismo. Por tabela, essa música de péssima qualidade descaracteriza nossa cultura nordestina e introjeta na juventude comportamentos danosos à sociedade. As letras da “fuleiragem music” apresentam uma temática repetitiva e de uma estupidez sem limites. Os espetáculos de rua enfocam cenas de pretensas danças que normalmente só se assiste em boate ou clube privê.

O que mais causa apreensão é a forma como a mulher é tratada nas letras dessas músicas, e a regressão a que está sendo levado o relacionamento homem/mulher. O crítico de música pernambucano José Teles disse que “o que o movimento feminista levou décadas para construir, os autores desses repertórios estão destruindo em poucos e pobres acordes”. Nas letras, a mulher não é só objeto, é um objeto descartável, sem valor e sem caráter. Pegue-se uma letra da música de uma banda dessas, chamada “Tapa na cara”. É de uma grossura inacreditável. Tem um trecho que diz: “ela apanha pra dormir e acorda pra apanhar”. O cara bate na mulher em todas as estrofes e no fim se justifica: “os vizinhos não sabem a cachorra que ela é”.

A Prefeitura de João Pessoa, em boa hora, excluiu esse tipo de banda em seus eventos musicais de rua. Caruaru acaba de decretar que no São João não se toca música de “forró bundinha”, como também é chamado esse lixo cultural. É uma questão apenas de bom senso e respeito a certos valores morais, éticos e culturais que não dá pra desprezar em nome do sucesso, do aplauso do público entorpecido por esse tipo de música. Esses critérios de escolha do que se deve pagar com o dinheiro público é que fizeram com que as prefeituras citadas deixassem de programar “forró de plástico” em seus eventos.

Eu lamento ouvir nas programações de pretensas rádios comunitárias o dia todo tocando essas porcarias. Eu acho que todo mundo tem o direito de gostar do que acha que é bom, por pior que esse “bom” seja. Ainda mais que, sem opção, o ouvinte só escuta esse tipo de música, porque o esquema de jabaculê é tão forte que as rádios comerciais só tocam o “forró de merda”. Sem opção, o ouvinte passa a apreciar o lixo que lhe impõem. Mas daí a programar essa excrescência em uma rádio comunitária, é de amargar!

Primeiro porque rádio comunitária está fora dos esquemas do jabaculê, que é a grana correndo frouxa para os bolsos de programadores e locutores das rádios comerciais para tocarem até a exaustão o que mandam as gravadoras. Depois, acham que é chique tocar aquela banda que apareceu no Faustão, mas no fundo estão dando força ao subproduto da indústria cultural e menosprezando o respeito à nossa cultura e aos direitos fundamentais das pessoas.

Passei em Sapé e sintonizei a Rádio Comunitária Sapé FM, que na verdade pertence ao meu compadre Mestre Camilo, um palhaço de pastoril que veio do rádio comercial e botou sua tendazinha com o nome de comunitária. O dia todo, a rádio do mestre Camilo só tocou “fuleragem music”, igual às rádios comerciais. O mestre Camilo não é culpado por sua rádio imitar as comerciais e só programar essas músicas lamentáveis. Ele não sabe, e talvez jamais venha a ter essa consciência, de que são os padrões e valores que determinam o comportamento social e que a indústria cultural é que diz como nos comportar. Ou seja, eles dizem o que é importante aprendermos. Sem nem notar, mestre Camilo divulga na sua rádio a ideologia da indústria cultural que é reacionária. Mestre Camilo toca o que está na moda, aquilo que as gravadoras determinaram que a gente ouvisse para que o povo comprasse o que vendem. Um certo companheiro de rádio comunitária me disse um dia: “se a gente não tocar o que as rádios comerciais tocam, não vamos ter audiência”. Eu acho, no entanto, que audiência não é fundamental para uma rádio comunitária.

Na Rádio Comunitária Zumbi dos Palmares, em João Pessoa, onde milito, a gente só toca música paraibana de qualidade. Sabe como a gente consegue manter a audiência? Botando o povo para falar na rádio de 15 em 15 minutos, o dia todo. O povo gosta de se ouvir no rádio. A comunidade mantém a sintonia na rádio porque sabe que estão falando de sua realidade, dos seus problemas e de coisas que estão acontecendo no seu quintal. Mas a maioria das “comunitárias” acha mais fácil tocar o lixo da moda para manter audiência.

A trilha sonora dessas rádios comunitárias que apelam para o esquema fácil de tocar baixaria anuncia apenas que são falsas comunitárias. Porque rádio comunitária é uma coisa nova, cujo objetivo é ajudar a mudar a sociedade, e a comunidade só assume a rádio de fato quando percebe essas diferenças. A questão cultural é fundamental para as mudanças sociais. As pessoas brigam por tantas coisas, mas não brigam quando nossa cultura é estuprada. E é o que faz esse tipo de música: estupra nossa cultura.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

FÁBIO MOZART / A reforma ortográfica de seu Nabunda.

A reforma ortográfica de seu Nabunda.

A Reforma Ortográfica, que pretensamente veio unificar o português falado nos países lusófonos, tem sido alvo de muitas críticas. O escritor português João Pereira Coutinho disse que é contra a Reforma Ortográfica porque “a língua pertence aos seus falantes, não a um conselho de sábios que se considera dono da língua”. Em artigo publicado na Folha de São Paulo, em 28 de setembro de 2008, Coutinho afirma que é visceralmente, filosoficamente e linguisticamente contra a Reforma. Ele alega ser incapaz de aceitar que “uma dúzia de sábios se considere dono de uma língua falada por milhões”. Ele se diz opositor da Reforma porque acredita que a língua é produto de uma história que está sendo ignorada. “A pluralidade é um valor que deve ser estudado e respeitado”, assegura.

Sem saber nada de Acordo Ortográfico, semi-analfabeto que é, o chaveiro pernambucano Everaldo Cabral tascou a seguinte frase em sua barraca de fazer chaves: “Xave é 1 rial”. Seu Nabunda, como é mais conhecido, de início ficou arretado com as galhofas dos amigos e passantes, por conta de ter trocado o “ch” de chave pelo “x”. Todo mundo queria corrigir seu Nabunda, que logo virou atração na pracinha onde ganha a vida fazendo chaves. Percebendo que era negócio esse negócio de escrever “errado”, seu Nabunda, um intuitivo da arte do marketing, escreveu diversas frases numa placa. Algumas das “pérolas”: koncerta i amola tizora faka i alikte – Fásso k.rinbo – Dô haúla di putugez.


Ao resolver escrachar nos erros, seu Nabunda descobriu seu maior acerto. “No Brasil, fazendo as coisas erradas é que dá certo”, raciocina ele. Com essa brincadeirinha, seu Nabunda é o chaveiro mais famoso do Recife, com uma disputada barraca na esquina da Rua da Soledade, na Boa Vista, ou “Soliedade” como prefere chamar.

Já o juiz de futebol português Carlos Xistra andou desfacilitando a língua, conforme os termos da súmula sobre apresentação de cartão amarelo ao jogador Micolli, do Benfica: “O jogador da equipa visitada, Micolli, desmandou-se em velocidade tentando desobstruir-se no intuito de desfeitar o guarda-redes visitante. Um adversário à ilharga procurou desisolá-lo, desacelerando-o com o auxílio à utilização indevida dos membros superiores, o que conseguiu. O jogador Micolli procurou destravar-se com recurso a movimentos tendentes à prosecução de uma situação de desaperto, mas o adversário não o desagarrava. Quando finalmente atingiu o desimpedimento, desenlargando-se, destemperou-se e tentou tirar desforço, amandando-lhe o membro superior à zona do externo, felizmente desacertando-lhe. Derivado a esta atitude, demonstrei-lhe a cartolina correspectiva”. Agora me arresponda: é possível unificar línguas tão diferentes?

quarta-feira, 17 de junho de 2009

FÁBIO MOZART / Xico Sá e as bundas secas.

Xico Sá e as bundas secas.

Fábio Mozart

Xico Sá é jornalista e escritor. Inscreveu-se na cruzada em defesa das bundas grandes, esse “latifúndio dorsal” em extinção devido ao modismo das mulheres que agora só pensam em malhar nas academias e passar fome para ter um corpinho de bailarina, um ideal de beleza padrão Gisele, aquela que parece um vara-pau da bunda seca.

Xico escreveu uma carta ao sociólogo Gilberto Freyre, reclamando de outro modismo em larga escala entre o mulherio, principalmente entre aquelas chamadas da “meia-idade”. Isso porque Gilberto Freyre foi o maior divulgador da beleza morena da brasileira. Só que agora toda mulher só quer ser loira. Ele lembra Sonia Braga e outras morenas que viravam as cabeças (ambas) dos homens em tempos idos e vividos. Agora a moda é alisar os cabelos e pintar de loiro.

Gilberto Freyre, do lugar onde está comendo sua rapadura e tomando seu suco de pitanga, deve estar imaginando o que diabo vem a ser “chapinha”, instrumento desconhecido nas casas grandes e senzalas. Ele que escreveu o livro “Modos de homem & Modas de mulher”, em 1986, sabe muito bem que o saboroso eram as carnes macias, boas de se apalpar, das fofinhas de antigamente. Nossa geração foi sentimentalmente educada para apreciar as fofinhas. De repente, a indústria da moda transformou as mulheres em massas musculosas de zagueiro central. Bundas duras, corpos musculosos. Por isso, a campanha de Xico Sá pela volta da fartura da bunda.

Esse camarada admirador das roliças formas femininas apela ainda ao sociólogo do Apipucos que por favor psicografe um manifesto, um panfleto em favor da volta das morenas e fofinhas “para evitar a catástrofe definitiva”. Para ele, as cheinhas ou desapareceram ou estão meio desgostosas.

De minha parte, coloco um adendo à melancólica carta de Xico Sá, aquele que se diz apreciador de uma bela bunda, “uma jambo-girl”. Diria ao mestre de Apipucos que a involução das modas de mulher também se dá no quesito respeito. Hoje as jovens mulheres se deliciam nas praças, cantando e dançando ao som de músicas que as chamam de putas, cachorras, safadas e raparigas. Essas músicas falam de como se deve bater e humilhar as mulheres. São as bandas de duplo sentido e de apelo sexual fazendo a cabeça da juventude e moldando-lhe o gosto musical da pior forma possível. Isso também é trágico.

terça-feira, 16 de junho de 2009

FÁBIO MOZART / O racismo na doutrina espírita.

O racismo na doutrina espírita.

Allan Kardec, decodificador do Espiritismo, tinha idéias racistas. A Bíblia está também cheia de passagens racistas. As religiões, ao se considerarem superiores umas às outras, alimentam esse tipo de pensamento condenável sob todos os aspectos.

Enfocando particularmente Allan Kardec, vejamos o que ele diz em seu livro “A Gênese: "O progresso não foi, pois, uniforme em toda a espécie humana; as raças mais inteligentes naturalmente progrediram mais que as outras, sem contar que os Espíritos, recentemente nascidos na vida espiritual, vindo a se encarnar sobre a Terra desde que chegaram em primeiro lugar, tornam mais sensíveis a diferença do progresso(sic!). Com efeito, seria impossível atribuir a mesma antiguidade de criação aos selvagens que mal se distinguem dos macacos, que aos chineses, e ainda menos aos europeus civilizados."

(Allan Kardec, A Gênese, página 187.)

Mas ele também considerava os negros e chineses, como os orientais de modo geral, raças inferiores. E os índios então, estavam na escala bem inferior, na lógica do Allan Kardec. No “Livro dos Espíritos” ele sentencia: "6 --Por que há selvagens e homens civilizados? Se tomarmos uma criança hotentote recém nascida e a educarmos nas melhores escolas, fareis dela, um dia, um Laplace ou um Newton?" (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Instituto de Difusão Espírita, Araras, São Paulo, sem data, capítulo V, p. 126).

Já a pergunta denota um certo racismo, pois supõe que uma criança hotentote, ainda que educada nas melhores escolas, não teria possibilidade natural de alcançar o nível de um cientista branco. Allan Kardec explicita seu racismo grosseiro na resposta que dá a essa pergunta, por ele mesmo feita: "Em relação à sexta questão, dir-se-á, sem dúvida, que o Hotentote é de uma raça inferior; então, perguntaremos se o Hotentote é um homem ou não. Se é um homem, por que Deus o fez, e à sua raça, deserdado dos privilégios concedidos à raça caucásica? Se não é um homem, porque procurar fazê-lo cristão?" (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Instituto de Difusão Espírita, Araras, São Paulo, sem data, capítulo V, p. 127).

Na ótica dele, superior é o homem branco, caucasiano. Ele chega ao absurdo de duvidar que um selvagem pudesse ser um ser humano. Hitler aprovaria a doutrina racista de Allan Kardec. E olhem que a doutrina espírita de Kardec foi pretensamente revelada por "espíritos superiores".

O racismo não consiste em achar ou não que um negro tenha alma ou possa se salvar, mas em considerar que as raças sejam essencialmente umas melhores do que as outras. Isto é, que uma pessoa, por ser negra, é necessariamente menos capaz ou de menos valor do que uma pessoa de raça branca. Esse pensamento monstruoso, falso e contrário à justiça e à caridade é um dos germes da Eugenia e do Nazismo.

domingo, 14 de junho de 2009

Fábio Mozart / A barragem, o crápula e a ferrovia

A barragem, o crápula e a ferrovia

Fábio Mozart

Reginaldo Alves surpreende as novas gerações de itabaianenses com a biografia do comerciante e político Luiz Paulino, inserida no seu livro “No Remanso do Luar”. Grande administrador, Luiz Paulino teve um sonho grande na vida: ver a várzea do rio Paraíba inundada pelas águas da barragem de Acauã. Amigo de José Américo de Almeida, moveu céus e terra para ver fincada a pedra fundamental da obra redentora. O governo da Paraíba finalmente inaugurou a grande adutora. O deputado Wilson Braga foi um dos que defenderam o nome de Luiz Paulino para a barragem de Acauã, uma homenagem ao grande itabaianense que tanto lutou por ela. Acabou prevalecendo outro nome. Luiz Paulino, entretanto, será sempre lembrado por ter dedicado suas energias e luta política em prol daquela obra de tanta importância para esta região.

* * * * * *

Antonio Carlos Magalhães, o soba da Bahia, já falecido, andou titubeando e vieram a público algumas de suas safadezas no Congresso. Para se defender, insultou o também já desencarnado Senador Ramez Tebet, Presidente do Conselho de Ética que botou o baiano pra fora do Senado em nome do decoro parlamentar. ACM qualificou o colega de “rábula do pantanal”. Inversão de valores: meu pai foi um rábula, homem decente, inteligente e capaz. Sem ter curso superior, estudou Direito para ajudar os pobres injustiçados. O senador baiano foi médico sem jamais exercer a medicina, professor que nunca ministrou aulas e cujo maior mérito foi posar de cacique na política mais que viciada deste triste país.
Falando em Ramez Tebet, o senador foi agraciado com o título de Cidadão Itabaianense, por razões que ninguém soube e talvez jamais saberá. Tebet morreu sem ter visitado sua cidade honorífica. O homem morava no Mato Grosso do Sul.

* * * * * *

O escritor Marcos Odilon, em uma dissertação sobre ferrovias, deixa evidente que o trem no Brasil descarrilou às margens da História porque era operado pelo Estado. Passei 25 anos de minha vida servindo à Rede Ferroviária Federal, e teria muito a dizer sobre a importância do trem, e porque ele se tornou um dinossauro no Brasil. Só de passagem: o trem perdeu o bonde da História porque seu maquinista atende pelo nome de elite dominante, corrupta e sugadora das energias vitais da Nação. O Estado não tem nada a ver com isso.

Fábio Mozart / A barragem, o crápula e a ferrovia

A barragem, o crápula e a ferrovia

Fábio Mozart

Reginaldo Alves surpreende as novas gerações de itabaianenses com a biografia do comerciante e político Luiz Paulino, inserida no seu livro “No Remanso do Luar”. Grande administrador, Luiz Paulino teve um sonho grande na vida: ver a várzea do rio Paraíba inundada pelas águas da barragem de Acauã. Amigo de José Américo de Almeida, moveu céus e terra para ver fincada a pedra fundamental da obra redentora. O governo da Paraíba finalmente inaugurou a grande adutora. O deputado Wilson Braga foi um dos que defenderam o nome de Luiz Paulino para a barragem de Acauã, uma homenagem ao grande itabaianense que tanto lutou por ela. Acabou prevalecendo outro nome. Luiz Paulino, entretanto, será sempre lembrado por ter dedicado suas energias e luta política em prol daquela obra de tanta importância para esta região.

* * * * * *

Antonio Carlos Magalhães, o soba da Bahia, já falecido, andou titubeando e vieram a público algumas de suas safadezas no Congresso. Para se defender, insultou o também já desencarnado Senador Ramez Tebet, Presidente do Conselho de Ética que botou o baiano pra fora do Senado em nome do decoro parlamentar. ACM qualificou o colega de “rábula do pantanal”. Inversão de valores: meu pai foi um rábula, homem decente, inteligente e capaz. Sem ter curso superior, estudou Direito para ajudar os pobres injustiçados. O senador baiano foi médico sem jamais exercer a medicina, professor que nunca ministrou aulas e cujo maior mérito foi posar de cacique na política mais que viciada deste triste país.
Falando em Ramez Tebet, o senador foi agraciado com o título de Cidadão Itabaianense, por razões que ninguém soube e talvez jamais saberá. Tebet morreu sem ter visitado sua cidade honorífica. O homem morava no Mato Grosso do Sul.

* * * * * *

O escritor Marcos Odilon, em uma dissertação sobre ferrovias, deixa evidente que o trem no Brasil descarrilou às margens da História porque era operado pelo Estado. Passei 25 anos de minha vida servindo à Rede Ferroviária Federal, e teria muito a dizer sobre a importância do trem, e porque ele se tornou um dinossauro no Brasil. Só de passagem: o trem perdeu o bonde da História porque seu maquinista atende pelo nome de elite dominante, corrupta e sugadora das energias vitais da Nação. O Estado não tem nada a ver com isso.

sábado, 13 de junho de 2009

O precursor do jornalismo em Itabaiana.

O precursor do jornalismo em Itabaiana.

Arthur Coelho, afilhado do pai de Augusto dos Anjos, viveu nos Estados Unidos e foi um intelectual de altíssima qualidade.

Em março de 1973, falecia aquele que foi um dos maiores intelectuais paraibanos, precursor do jornalismo na cidade de Itabaiana, poeta, homem de letras, pensador e esteta de altíssima qualidade. Na América do Norte, para onde emigra, estabelece-se em Nova York, tornando-se crítico cinematográfico, vindo a trabalhar na empresa de cinema Paramount Pictures Co., a cujo serviço permaneceria por mais de 30 anos como assessor cultural, censor de scripts e tradutor das legendas dos filmes produzidos.
Esse brilhante cidadão do mundo nasceu em Sapé, criando-se em João Pessoa e Itabaiana, passando dois anos em São Paulo e um ano no Amazonas. Foi batizado na antiga vila de Espírito Santo, servindo-lhe de padrinho o pai de Augusto dos Anjos. Depois, dona Cândida, sua mãe, converteu-se ao protestantismo.
Escreveu uma espécie de português sem mestre, o “Brazilian Portuguese Self-taught”, saído durante a 2ª guerra mundial, de onde foram impressas cinco edições. Escreveu o célebre livro de contos, “Um brasileiro em Sing-Sing e outros contos da América”, cuja primeira edição saiu pela Editora da Universidade Federal da Paraíba. Sing-Sing é um grande presídio existente em Nova York. O conto principal do livro é a história de um brasileiro que se viu preso lá. “Quase autobiográfico”, afirmou Arthur Coelho, em carta ao amigo Guimarães Barreto, em 17 de julho de 1972. “Arthur Coelho merece as homenagens dos paraibanos, pelo seu ilibado caráter, sua brilhante inteligência e extremado amor à terra natal, a quem serviu, amou e dignificou desinteressadamente durante sua longa, útil e proveitosa existência”, afirmou o mesmo Guimarães Barreto.

PRECURSOR DO JORNALISMO

Por volta de 1890, Arthur Coelho matriculou-se na escola da professora Alexandrina Nacre, na Rua da República nº 55, em João Pessoa, onde fez o primário. Teve como companheiros de escola Aderbal Piragibe e seu irmão Oscar da Silva, João Pessoa, futuro bacharel em direito e Presidente da Paraíba, e Mardokeu Nacre, filho da professora, que viria a ser um dos mais celebrados poetas paraibanos.
Foi aprender a arte tipográfica em uma oficina de João Pessoa, tornando-se tão competente em seu ofício que foi convidado pelo juiz de Itabaiana, Heráclito Cavalcanti, para editar o jornal O MUNICÍPIO, que fundara naquela comarca, sendo o primeiro jornal a circular em Itabaiana. Arthur Coelho virou tipógrafo, impressor e redator daquele periódico na terra de Zé da Luz, demorando uma temporada naquela cidade, onde exerceu grande influência, conforme registro no livro “Itabaiana, sua História, suas Memórias”, de Sabiniano Maia.
Em Itabaiana, onde ele passara os melhores anos de sua vida, conforme depoimento ao mesmo Guimarães Barreto, identificou-se com os itabaianenses mais ilustres daquela época, a ponto de se tornar genro de um deles. Constam de seu círculo de amizade na então próspera cidade paraibana, o desembargador Heráclito Cavalcanti, o prefeito Neco Germano, Firmino Cotinha, Padre Fileto, Major Nenéu, os Guarita, os professores Mendonça e José Maciel, a família Ribeiro Coutinho (Dr. Odilon, Dr. Flávio e Ribeirinho), Palu, Jurema Filho, Sotter, Lauro Melo, Zumba Monteiro, dona Candinha Meira de Vasconcelos, Dona Bela Resende, dona Sinhá do Hotel Avenida, a professora dona Marieta e outros nomes da sociedade local.
De Itabaiana, Arthur Coelho foi seduzido pelos mistérios da Amazônia, viajando daí para a América, onde se firma como influente intelectual, depois de muita luta pela subsistência em uma sociedade estranha. “É o mais espantoso fenômeno de aculturação jamais registrado por estudiosos do comportamento humano”, disse Guimarães Barreto. O escritor paraibano José Lins do Rego, comentando a capacidade de renúncia, de sacrifício e de entusiasmo do sapeense em terras americanas, até alcançar seus objetivos, disse num rompante: “Paraibano é danado mesmo!”
Com a auto-afirmação no meio, ao “fazer a América”, o escritor de Sapé ganhou status profissional e casou com uma americana, miss Katharine Rodger, transformando sua casa numa espécie de consulado do Brasil, onde recebia os brasileiros que viajavam à grande metrópole. Passaram por lá Érico Veríssimo, Osvaldo Trigueiro, Assis Chateaubriand e seu amigo íntimo, Monteiro Lobato, que dedicaria ao anfitrião um capítulo inteiro de um dos seus livros da série Dona Benta.
Ele foi um divulgador e entusiasta por tudo que representasse de bom, de nobre, de elogiável na terra e na gente paraibanas. Escreveu inúmeras cartas para os mais destacados políticos e intelectuais de sua época, sobre os mais variados assuntos e questões. Entre seus correspondentes, destacam-se nomes como Monteiro Lobato, José Américo de Almeida, Câmara Cascudo, Gustavo Barroso, Magalhães Júnior, Coriolano de Medeiros, Osias Gomes e inúmeros outros. Esse epistolário encontra-se na biblioteca da Universidade Federal da Paraíba, apresentando-se como um diário pessoal e inestimável repositório literário.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Fábio Mozart / Sou um insolvente civil

Sou um insolvente civil

Fábio Mozart

Descobri que sou um insolvente civil. Esse insolvente vem a ser a pessoa física que tem dívidas superiores ao valor de seus bens. Como não tenho nenhum patrimônio, o “pendura” no bar de Zé, em Jaguaribe, já me coloca nessa situação. Da minha massa falida consta um violão quebrado, que coloquei pra consertar e não tive grana para resgatar no Lutier, um computador sem valor monetário, alguns livros, uma vitrola onde rodo meus LPs, dois gatos e dois cachorros. O carro velho pertence à financeira.
Como insolvente civil, não tenho capacidade para exercer certos direitos e obrigações. Não posso, por exemplo, propor ação na instância judiciária. Nessa triste condição de meio cidadão, se eu comprar uma mercadoria com defeito, não posso me queixar no juizado de pequenas causas. Porque sou um insolvente civil.
O que diabo faz um insolvente civil no meio da sociedade de consumo? Recentemente, a poderosa General Motors faliu, recebendo prontamente a ajuda do governo americano. Mas para o insolvente civil Fabinho nada! Não tem nenhum Fundo Monetário, nenhuma lei que proteja o cidadão insolvente civil. Quebrou, te vira! Sou maior de 18 anos, capaz, mas não posso ser parte na sociedade de consumo, no mundo dos negócios.
E se eu fosse um insolvente militar, em vez de civil? Com a arma na mão, a coisa é outra! Não existe a figura do insolvente militar, só civil. Mesmo porque o Governo, que sabe de suas obrigações para com quem tem o trabuco, concede aumentos salariais maiores para os fardados e até uma justiça especial eles têm à disposição.
Já para os paisanos só restam as condições de réu, contribuinte, eleitor forçado, devedor e insolvente civil. Quem não pode pagar o que deve fica à margem da sociedade. A insolvência não tem caráter militar nem eclesiástico. Alguém já ouviu falar de uma igreja falida? O cara vende ilusões, não paga impostos e pode sonegar à vontade, até eu que sou um panaca nos negócios prosperaria.
Na verdade, quem me quebrou foi o próprio Governo. Quando entrei na “feliz vida de aposentado”, ganhava oito salários mínimos. Hoje sobrevivo com menos de três, vítima que sou do assalto oficial que é o achatamento salarial dos aposentados neste país de muro baixo. Mal remunerado e com vida sofrida, o aposentado vira insolvente civil.
Vou morrer com 97 anos, sete meses e sete dias, quando o ciclo se completa, segundo a numerologia praticada pelos ciganos das Astúrias. De uma certeza tenho: morrerei insolvente civil, por não aprender em tão longa vida os mistérios da prudência financeira. Igual a canja de galinha, prudência não faz mal a ninguém. A sabedoria dos antigos romanos já dizia: “nem a relva macia acaricia os passos do imprudente”.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

O DIA EM QUE O DELEGADO DE ITABAIANA...

O DIA EM QUE O DELEGADO DE ITABAIANA PRENDEU LAMPIÃO

Fábio Mozart

Esse caso aconteceu no final dos anos setenta na cidade de Itabaiana. O Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana - GETI - foi convidado para fazer uma apresentação da peça "A Peleja de Lampião com o Capeta", de minha autoria, o primeiro espetáculo montado pelo Grupo. Comemorava-se o Dia do Folclore no Colégio Antonio Batista Santiago. Nesse evento, um burocrata de João Pessoa iniciou discurso elogiando os governantes pelo "interesse em investir na cultura". Foi quando Pedro Lourenço, já meio "chumbado", contestou o puxa-saco, afirmando em alto e bom som que o governo, além de não ajudar, ainda perseguia os artistas. Foi um mal estar geral. A peça, que seria a atração principal do programa, foi suspensa. Lourenço e o restante do pessoal acharam por bem cair fora, já que ameaçados de prisão por "desrespeito às autoridades".

No dia seguinte, na qualidade de diretor e autor da peça, fui chamado à delegacia e interrogado pelo delegado (cujo nome não lembro). Afirmei que o mal entendido não se constituía em nenhum desrespeito, falei em liberdade de expressão e outros argumentos que não convenceram o milico. Para agradar aos donos do poder, o delegado resolveu se arvorar em censor e proibiu a encenação da "Peleja".

- A peça foi liberada pela Censura Federal. Por que não pode se apresentar em Itabaiana? - tentei argumentar. E a "autoridade":

- Isso é problema meu. Teatro é negócio de comunista, e você vai ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional.

- Tudo bem, então o senhor me redige um documento, oficializando a proibição.

O delegado escreveu, de próprio punho, a seguinte pérola:

"A apresentação está proibida de se apresentar. Assinado: Sargento Fulano de Tal".

Ao sair, fui advertido:

- O senhor já está avisado: se houver a apresentação, o senhor será o primeiro a ser preso.

Fui ao colégio e, diante do público, li o "comunicado" que serviu de deboche geral. Não fizemos a encenação, e foi por essa e outras que cultivei alguns inimigos gratuitos em Itabaiana, em nome do que a gente chamava "resistência democrática".

Hoje, o GETI comemora trinta e três anos de existência, remontando a "Peleja", lembrando a experiência difícil, mas gratificante de produzir cultura no interior da Paraíba.

"A Peleja de Lampião com o Capeta" realizou mais de 50 apresentações na Paraíba e estados vizinhos, cujo texto também foi montado pelo grupo oficial da Federação Paraibana de Teatro Amador, sob a direção de Marcos Veloso, o mesmo artista itabaianense que dirige o espetáculo agora. O espetáculo também foi montado na Bahia por um grupo teatral de lá.

A peça, baseada na literatura de cordel, arma o conflito para a mensagem ideológica final:

"Lutaria mais ainda, mesmo que perdesse o céu,

Para que não mais houvesse nem patrão nem coronel".

Esse espetáculo serviu para o GETI afirmar sua proposta de fazer um teatro popular e conscientizador em plena ditadura militar, o que nos valeu algumas perseguições. Trinta e tantos anos depois, o Brasil pouco mudou na sua feição social, e voltamos com o Lampião esculhambando a burocracia e o mandonismo do "inferno" nordestino, na missão de quebrar um pouco os padrões estéticos importados via televisão e outros canais alienantes, através da linguagem imorredoura do teatro.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

FÁBIO MOZART / Caetano e Zé da Luz

Caetano e Zé da Luz

Fábio Mozart

Um dos cinco músicos do século no Brasil, o baiano Caetano Veloso criou o tropicalismo, revolucionando a música popular brasileira. Em 1979 ele gravou um disco chamado “Muito”, em que aparece na capa com a cabeça no colo da mãe, dona Canô. Esse disco encalhou nas lojas. Caetano culpou a crítica que não entendeu o trabalho do compositor genial. Nesse LP estão as músicas “Sampa”, que se tornou um clássico da MPB, e “Terra”, uma ode ao nosso planeta e um canto de amor ao povo brasileiro.
Nessa música “Terra”, Caetano Veloso faz referência ao poeta Zé da Luz, itabaianense cuja obra ainda hoje é considerada um marco na poesia dita popular. Quem conhece a poesia de Zé da Luz e ouvir a música “Terra”, de Caetano, há de vislumbrar o processo de pensamento do grande baiano na citação do nosso poeta de Itabaiana. É só ouvir a extensa letra de “Terra” para constatar a citação.
Não dou o gosto de escrever o trecho que fala de Zé da Luz porque, como já dizia o outro músico do século, Chico Buarque, “o artista que tem necessidade de explicar sua obra ao público, um dos dois é burro”.
Caetano Veloso uma vez declarou: “Eu penso que faria bem qualquer tipo de arte. Podia botar uma tabuleta na porta: faz-se arte”. Tirando o lado cabotino dessa frase, acho também que Caetano é um artista completo.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Fábio Mozart / CONVERSA DE BAR

Eu, Penca Preta e Sanderly tomando umas lapadas no cabaré das Malvinas, aparece um cara chamado Rei, poeta de profissão e vagabundo por excelência. Sanderly foi logo apresentando:

--- Esse aqui é o Rei que já foi muambeiro, jogador de futebol e agora vai ser beque no “poesia futebol clube”. Cismou que é poeta.

--- Muito prazer.

--- Prazer é meu, companheiro.

Apertamos as mãos. O Rei sentou, pediu uma lapada. Peguei logo a falar.

--- Sabe, Rei?

O Rei não sabia mas ficou sabendo que eu já tinha escrito poesia em jornal e agora ia botar num livro a vida de todo vagabundo e mulher da vida que tivesse notícia em Itabaiana e outro lugares menos votados.

--- Não é, Penca Preta?

Penca Preta fez que sim com a cabeça, e como já tava mais pra lá do que pra cá, ferrou no sono enquanto eu ia contando uma história comprida de miserê, que acabou mais ou menos assim:

--- Você é poeta por ser vagabundo ou é vagabundo por ser poeta? A resposta depende muito de quem faz a pergunta. Do ponto de vista ético, todo poeta é vagabundo, e do ponto de vista estético, todo vagabundo é poeta. Ora, se entre poeta e vagabundo a distância é milimínima, o mesmo não acontece entre vagabundo e malandro. O vagabundo é sempre um idealista. Há entre os dois a diferença quilométrica que há entre um drible de Pelé e um chutão de Dunga. O Rei não tava “pescando” nada, e já ia pedir pra trocar aquilo em miúdo quando Sanderly disse:

--- Quando ele começa a falar difícil é porque já ta bebinho da silva.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

De bundas e outras atrações

De bundas e outras atrações
Fábio Mozart
Num sítio na internet começaram uma discussão sobre bundas. Vejam bem, o mundo se acabando, os aviões caindo, um meteoro viajando em direção à terra e os caras falando em bundas, preocupando-se com esse negócio tão pueril, a chamada preferência nacional. Sim, porque dizem que brasileiro é vidrado em bunda, mas não é só o patrício que tem essa obsessão.

O escritor norte-americano Henry Miller foi um sujeito que explorou o sexo em todos os seus contextos, inclusive filosóficos. Teve suas obras proibidas em vários países, sua literatura considerada maldita. No livro chamado Sexus, ele escreveu: “A bunda nos revela tudo sobre uma mulher: seu caráter, seu temperamento, seja ela sanguínea, mórbida, alegre ou volúvel, seja receptiva ou não, maternal ou amante dos prazeres, seja ela franca ou mentirosa por natureza.” Por aí se vê que o cara entendia mesmo de bunda. Seria um dos que, em vez da cara, dão a bunda pra bater.

Mas isso é coisa cultural. Em Samoa, uma ilha do Pacífico Sul, o bumbum perde feio para o umbigo, considerado um lugar altamente excitante. Embora as moças caminhem quase nuas por lá, essa parte do corpo é mantida sempre coberta. Outro lugar onde o bumbum nem é notado fica em outra ilha, a Célebes, na Indonésia. Lá o joelho é que é um importante fator de atração sexual. Na tribo dos Nilotes, no leste da África, as banguelas são as mais atraentes. Quando chegam na puberdade, as jovens arrancam dois dentes da frente e ficam se achando o máximo.

Outro dia me apresentaram uma charada: o que é um bunda-mole com banda larga? Eu não sabia, mas se trata daqueles caras que gostam de incrementar seus carrinhos, botam um somzão na mala e saem por aí aporrinhando a humanidade. No Brasil, a pior crítica que se pode fazer a uma cantora de MPB é dizer que se trata apenas de uma “bunda rebolativa.” Rebolando no imaginário masculino, tivemos grandes artistas do naipe de Gretchen, aquela que já está com cinquentinha mas se nega a passar a coroa de Rainha do Bumbum. Seus quadris fizeram o Brasil inteiro gemer ao som de seus melôs infames, no requebrado da mediocridade geral.

Etimologicamente, bunda provêm da palavra mbunda (palavra pertencente a um grupo étnico da região oeste de Angola - kimbundu). Então mbunda originou a palavra bunda, objeto desta profunda reflexão, que significa nádegas. Segundo a bundologia, ciência que estuda as bundas, há casos típicos de algumas asiáticas que quase não se nota a existência da dita cuja. Como quem vê bunda ignora coração e quem tem bunda facilmente desbunda, em alguns países deste planeta, estranhamente as mulheres passaram a admirar bundas masculinas. Que impropriedade!

Os coquistas pernambucanos Caju e Castanha levaram um pé na bunda em seu Estado natal e foram vender seu peixe em São Paulo, onde se deram bem, ficando conhecidos em todo país pelos cocos humorísticos. Em um deles, falam sobre “o poder que a bunda tem.” Na batida do ganzá, encerro esse besteirol com uns versos dos poetas populares;

Mulher batida sem bunda

é a maior negação.
Busto pequeno e magrela

não tem a mínima atração.
Mulher que tem bunda cheia

ainda que seja feia,
a bunda chama atenção.
Mulher magrela é difícil

de arranjar um marido,
Mas se casar ele diz:

eu estou arrependido
com essa cruz que carrego,

eu estava doido e cego
de casar com pau vestido

quinta-feira, 4 de junho de 2009

O poeta das caibreiras

O poeta das caibreiras

Fábio Mozart

www.fabiomozart.com

Itabaiana era uma cidade florida no começo do século vinte. Famosos os ipês, as caibreiras, os fícus benjamins por sob os quais passava o bondinho puxado a burro, “onde a vida ia e vinha”. O bondinho saía da Praça da Indústria, sendo a vida social marcada pelo trajeto desse meio de transporte e pelas árvores frondosas. Debaixo do pé de gameleira que dava nome à rua da beira do rio, rolou por muitos anos a feira dos cavalos, até que a centenária árvore veio ao chão.

A velha Itabaiana era rica de árvores e de poetas. Por aqui passou um dos grandes, chamado Antonio Maia Neto, desses que sabem os segredos da beleza artística das palavras e das coisas simples de sua aldeia. Por causa de uma celeuma com o prefeito, também poeta, Maia Neto ficou conhecido como o “poeta das caibreiras”.

Aconteceu do prefeito José Augusto Pinto Ribeiro mandar cortar as caibreiras para alargar algumas ruas, “dando espaço ao progresso”. O poeta Maia Neto protestou com belos poemas publicados nos jornais de oposição. Naquele ano, as caibreiras não amarelaram muito, certamente porque a natureza estava avisando que no ano seguinte não haveria bom inverno. Mas o poeta entendeu que as árvores estavam tristes, pressentindo seu destino iminente. E tascou esses versos:

“Eras alegre, altaneira,

Com teu verdinho de cana,

Caibreira, linda caibreira

Do povo de Itabaiana!”



José Augusto Pinto Ribeiro prontamente respondia n’A Folha, o órgão oficial do Município:



“ Velha caibreira, velha carcomida

Tombastes aos golpes de um machado

Levando a morte e renovando a vida.”



O poeta Maia Neto perdeu a batalha contra Pinto Ribeiro, mas ficou na história como um precursor dos modernos defensores da natureza. Dizem que o poeta gostava de tomar uns goles sob as frondosas árvores, e numa dessas viagens recebeu a visita da Deusa da Floresta, que veio saber por que o poeta estava chorando, debaixo das caibreiras na Praça Álvaro Machado. A Deusa veio na forma de uma majestosa mulher, enrolada em galhos de videiras, tendo na cabeça um arranjo florido. Consolando-o, a Deusa da Floresta recitou:



“Vim ter contigo, vim quase às carreiras,

Invocar tua musa predileta,

A mesma que chorou junto às caibreiras

Aos golpes de machado, meu poeta!”



“Molhando a palavra” com a autêntica garapa “Beba Ela”, produzida e engarrafada em Maracaípe, o poeta Maia Neto “desapareceu noite a dentro, abraçado à Deusa, cantando essa canção tão triste e evocativa:



“Adeus Itabaiana das caibreiras

Dos fícus benjamins de braços dados.

Debaixo dessas sombras altaneiras

Eu tive belos sonhos embalados.



Adeus Itabaiana dos currais

De gados soltos pelos marmeleiros,

Das gameleiras belas, colossais,

Que ornamentavam meus sonhos brejeiros.



Adeus Itabaiana da harmonia

De mágicos encantos naturais,

Do perdão, do amor, da poesia,

Dos áureos tempos que não voltam mais!...”



A propósito, me lembrei de uma música que o mestre Sivuca criou com Humberto Teixeira, falando dos vegetais, talvez inspirado nos campos e jardins de sua amada Itabaiana:


“Adeus, Maria Fulô,
Marmeleiro amarelou,
Adeus Maria Fulô,
Olho d’água esturricou,
Adeus, vou embora meu bem,
Adeus Maria Fulô.”

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O homem que não sabia mentir

O homem que não sabia mentir

Fábio Mozart

Tem um sujeito maluco pros lados de Recife que escreve num blog coisas corriqueiras, mas com um gosto bom de feijão verde com galinha torrada e manteiga de garrafa. O nome do sujeito é Samarone Lima. Outro dia ele escreveu uma crônica sobre um cara que não mente nunca.

Uma do dito não-mentiroso: “Estava na praia com uma namorada, tomando uma cerveja, minha mulher me ligou no celular. Atendi. Ela perguntou onde eu estava. Respondi que estava na praia, com a namorada, tomando uma cerveja. Ela disse que não gostava dessas brincadeiras, e desligou o telefone na minha cara”. A moça que estava com ele na praia perguntou quem era. “Era minha esposa, querendo saber onde eu estava”. “Aprendi isso com um louco que conheci há alguns anos. Ele nunca mentia. Comecei a fazer isso, e dá certo”.

Imaginem como seria o mundo, se todo mundo falasse a verdade o tempo todo. Teria graça? O meu amigo Aguinaldo Pabulagem, o mentiroso mais engraçado e charmoso que conheço, não seria reconhecido pela sua verve e imaginação. Mentir é uma arte, que quando levada a sério e exercida com talento, torna o mentiroso um escritor, teatrólogo, poeta, novelista, político ou mentiroso mesmo, desses de mesa de bar, figuras impagáveis como o finado Índio, em Itabaiana, aquele que botou um boteco onde estava escrito na placa: “Bar da Verdade”. Famoso por suas mentiras, Índio costumava dizer que numa grande enchente no Recife, seu velho rádio ABC “A Voz de Ouro” minava água ao transmitir as notícias da tragédia. Isso em Itabaiana!

Nesta cidade cheia de histórias e estórias, dizem que o maior mentiroso aqui nascido e criado foi o velho Zé 41, um caçador de rolinhas perito na arte de mentir. Conheci grandes mentirosos, sem citar nomes porque o artista da mentira não gosta de ser reconhecido como tal, a não ser que já tenha o nome consagrado.

Como a mentira tem pernas curtas, não posso deixar de lembrar meu companheiro Luiz Bobinho, ferroviário baixinho e animado. Se Luiz Bobinho chegasse e dissesse “eu estou mentindo” ninguém acreditaria, porque isso só seria verdadeiro se ele não estivesse mentindo, o que estava fora de questão.

O artista é um farsante, um mentiroso. E o mundo sobreviveria sem arte? A arte de mentir de forma refinada é o que dá o charme e sedução ao escritor, ator, pintor e quem mais se aventure no mundo da imaginação. E quando a gente toma o falso pelo verdadeiro, ou somos consumidores de arte ou otários.

Zé Limeira era um poeta repentista paraibano que não sabia ler nem escrever, mas ficou conhecido pela imaginação mais do que fértil. Imortalizado pelo escritor campinense Orlando Tejo, Zé Limeira é estudado por figurões da literatura nacional, a exemplo de Muniz Sodré que escreveu resenha sobre o livro de ensaios “Zé Limeira, Poeta do Absurdo”, de Tejo. Para o professor da UFRJ, ‘a Poesia de Limeira produz uma espécie de contra-sentido da erudição beletrista’. Zé Limeira viveu na Chapada do Teixeira, interior da Paraíba, e produziu versos, que ‘julgam e exasperam, com a crueldade lúcida do louco, com o lirismo dessabido da criança, com a ousadia lúdica do analfabeto e com o ritmo interno do poeta, o discurso pedante’. Tudo isso traduzido quer dizer: Zé Limeira era um mentiroso de marca maior, que sabia encantar o mundo com suas mentiras rimadas.

Para saideira, uns versos do velho Zé Limeira: “Casemo no ano de 15/ Na seca de 23/A mulher era donzela/ Viúva de sete mês/ Mais não me alembro que tenha/ Um dia ficado prenha,/ Estado de gravidez”.

Pinto de Monteiro, o maior cantador do mundo depois de Manoel Xudu, um dia saiu-se com esse repente: “Nestes dias vou fazer/ Como o nosso Zé Limeira:/ Comprar uns óculos escuros/Desses de tolda de feira/ Botar o bicho na cara,/ Sair cantando besteira"

O teatro em Itabaiana

O teatro em Itabaiana

Fábio Mozart

Recebo mensagem do amigo Romualdo Palhano, teatrólogo, professor universitário e figura de proa nas artes paraibanas, atualmente vivendo no Amapá. Romualdo está finalizando trabalho de Pós-Doutorado sobre o teatro na Paraíba. Nesse trabalho tem um capítulo sobre Itabaiana, onde o mestre destaca a história do Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana (GETI), do qual ele mesmo fez parte na década de 70. Pretendendo buscar mais informes sobre o teatro estudantil que se fazia naquela época, ele indaga em que ano o professor Poty começou a trabalhar com teatro no Colégio Estadual Dr. Antonio Batista Santiago, quais os alunos que participaram ativamente daquelas ações e as peças encenadas, além de notícias sobre uma entidade de cunho cultural dirigida pela professora Terezinha Queiroga, onde se praticava também o teatro amador.

Enquanto aguarda respostas para sua pesquisa, ele descobriu que no começo do século vinte existiu um teatro em Itabaiana, na Rua 13 de Maio, que era o coração do comércio da nossa cidade naquela época distante.

Ao tempo em que finaliza este livro sobre o teatro em nossa terra, Romualdo estará lançando outra obra no final de junho, intitulada “A Saga de Altimar Pimentel e o Teatro Experimental de Cabedelo”, sempre com o intuito de historiar a trajetória das artes cênicas na Paraíba.

O professor Romualdo, que é potiguar (Nova Cruz), mas viveu em Itabaiana sua infância e adolescência, merece título de cidadão honorário da terra de Vladimir de Carvalho, pela sua contribuição ao estudo da cultura em nossa região.

Professor, literato, artista, irmão da conceituada atriz Palmira Palhano, Romualdo é um que acredita que o teatro não é simples entretenimento, mas tem função mais abrangente, porque o teatro deve questionar, provocar e informar. A obra deve ter valor para a vida.

Romualdo tem Licenciatura Plena em Educação Artística, Mestrado em Serviço Social e Doutorado em Ciências Sobre Arte realizado em Havana, Cuba. Desde 1995 é coordenador do curso de Educação Artística da Universidade Federal do Amapá, em Macapá, onde exerce a função de membro do Conselho Universitário. Publicou três livros sobre teatro, sendo protagonista em vários espetáculos na Paraíba e no Amapá.

Na apresentação de sua página na internet, Romualdo confessa: “Foi no interior da Paraíba, numa cidadezinha chamada Itabaiana, onde escrevi minhas primeiras poesias, sob forte influência da literatura de cordel. Na citada cidade, como produtor cultural, realizei minhas primeiras montagens e apresentações de espetáculos teatrais, sendo um dos fundadores do GETI - Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana”.

Mais que merecida, portanto, uma homenagem a este itabaianense adotivo que tanto honra as tradições de cultura da terra de Zé da Luz. Não existe cidade que se destaca sem acolher filhos adotivos de diferentes regiões do país. Itabaiana é privilegiada pelos itabaianenses que aqui nasceram e constroem esta cidade e também pelos itabaianenses adotados que de fora chegaram e ajudam a ampliar conhecimentos e partilhar culturas. Haja vista o nosso Jessier Quirino, hoje um ilustre itabaianense adotivo que muito nos orgulha.

(Na foto, Romualdo Palhano no papel de Cego na peça "A Peleja de Lampião com o Capeta", encenada pelo Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana em 1976. Ao centro, Fábio Mozart no papel de Lampião)