sexta-feira, 29 de maio de 2009

Itabaiana e a crise do século XVIII

Itabaiana e a crise do século XVIII – O que tem o Papa a ver com isso?



Fábio Mozart

“Assim pois, meus senhores, o catolicismo dos últimos três séculos, pelo seu princípio, pela sua disciplina, pela sua política, tem sido no mundo o maior inimigo das nações, e verdadeiramente o túmulo das nacionalidades”. (Antero de Quental)

Para os itabaianenses que não sabem, pouco instruídos que foram sobre sua própria história, esta região era uma das mais prósperas de toda a Paraíba, com riquezas potenciais e estrutura administrativa avançadas para a época. Um dos fatores do atraso da região, cuja decadência teve início ainda no século dezoito, foi a Inquisição da Igreja Católica, conforme relata o historiador paraibano José Octávio de Arruda Mello no seu livro “História da Paraíba”.

De fato, o Tribunal do Santo Ofício, a chamada Inquisição, passou a perseguir os descendentes dos antigos cristãos-novos na Paraíba, que foi a Província mais marcada por este tribunal da Igreja em todo o Brasil, depois do Rio de Janeiro. Aqui, a escalada do terror da Inquisição passou do campo religioso para a área econômica e social, com a Igreja perseguindo e marginalizando pessoas que de alguma forma tinham ligações com judeus, protestantes e árabes. E essas pessoas, geralmente, eram gente de posses, fazendeiros, grandes capitalistas que tinham seus bens confiscados e transferidos para os cofres portugueses. Quem tinha comércio, escondia o dinheiro, não emprestava mais, com medo de ser acusado de agiota e parar nas masmorras da Igreja. Como os inquéritos eram secretos, as pessoas podiam delatar quem quisessem, e isso facilitava, por exemplo, quem devia dinheiro e não queria pagar. Era só acusar o credor de “práticas judaizantes” para se ver livre do débito. Assim, o comércio não prosperava, a agricultura começou a declinar e todo o sistema econômico de então foi se desmoronando, principalmente no Vale do Paraíba, a região mais rica da então Província, cuja “jóia da coroa” era Itabaiana.

Achando pouco, a Igreja forçou a que lavradores de cana, negociantes, fazendeiros e quem mais possuísse bens, doassem grandes quantias para o dote do casamento dos filhos de Dom João V com a família real da Espanha, já que Portugal, por aquela época, estava falido e mal pago.

Mais de quarenta pessoas foram condenadas à prisão perpétua, outras foram levadas para Portugal e queimadas vivas, feito o Padre Gabriel Malagrida, que foi um religioso dedicado às causas sociais e práticas caridosas, tendo fundado orfanatos, asilos de velhos e escolas. O padre Malagrida foi acusado de conspirar contra o Rei de Portugal, juntamente com os demais jesuítas, que foram expulsos em 1759. Com isso, feneceram missões desses religiosos em Pilar e outras localidades, que eram a única opção de educação para o povo.

Portanto, a História nos diz que a decadência econômico-social de Itabaiana e de toda região do vale do Paraíba teve início no século XVIII. Se não fosse a ação devastadora da Inquisição, o vale do Paraíba teria melhor sorte, mesmo porque, além das potencialidades econômicas e recursos naturais, Itabaiana era o portão de entrada das idéias liberalizantes e modernas vindas do vizinho Estado de Pernambuco. A influência pernambucana contagiou nossos conterrâneos em muitas guerras pela libertação do Brasil. Foi em Itabaiana, às margens do Riacho das Pedras, onde ocorreu a batalha envolvendo três mil e quinhentos combatentes, tendo de um lado os legalistas, e do outro os confederados, liderados por Félix Antonio, que acabou assassinado em uma fazenda de Mogeiro.



(Do livro “História de Itabaiana em versos e algumas crônicas reais”)

quarta-feira, 27 de maio de 2009

D. Pedro II quase morre de fome.

O dia em que D. Pedro II quase morre de fome em Pilar.

Fábio Mozart



O escritor e usineiro falido Marcos Odilon (arrumou emprego de prefeito em Santa Rita), queimou o filme com a cidade de Pilar, ao afirmar em livro de sua autoria,"Filhos de Deus", que o Imperador D. Pedro II, ao visitar aquela cidade, no fim do século XIX, passou uma fome de lascar. Contou que, naquela época, se comia mal e pouco na Província da Parahyba do Norte. O cardápio, invariavelmente, era constituído de carne seca, farinha e rapadura, além do queijo de coalho duro, quase estragado. Sabendo disso, o Presidente da Província mandou um conto de réis para a vila de Pilar providenciar os mantimentos para o Imperador, que era chegado a uma mesa farta. Só que o dinheiro foi entregue ao tio avô de José Lins do Rego para organizar os comes e bebes, e ele embolsou a prata, deixando de investir na recepção de D. Pedro. Chegando a Pilar, o Imperador bebeu apenas água do pote. Não havia nada para o almoço e o jantar. Nosso Imperador, para desapontamento de Marcos Odilon, que é monarquista roxo, passou o tempo todo em jejum, saindo de Pilar arretado, fulo da vida, amaldiçoando todo mundo da várzea do Rio Paraíba, gente sem educação, que não sabe receber um Imperador e, além do mais, "amigo do alheio", no caso os recursos públicos que, já naquela época, eram desviados. Usando dos seus poderes de soberano, que detém o poder absoluto, D. Pedro deu ordens para prenderem o tio avô de Zé Lins, responsável pela recepção que não houve. O pobre homem, precursor dos larápios do dinheiro público, foi preso e conduzido a pé para a Capital, escoltado pelo furriel.


Nesse mesmo livro, Marcos Odilon arruma outra intriga com a cidade de Sapé, ao garantir que Augusto dos Anjos não nasceu na antiga Capital do Abacaxi, mas em João Pessoa, (Parahyba). O homem é chegado a uma polêmica. Afirma, por exemplo, que os índios brasileiros não comiam gente. Se muito, beliscavam. Diz que um tal de Bispo Sardinha foi comido pelos tubinambás, mas é mentira, conforme Odilon. O bispo, apesar do nome, não era fruto comestível para os índios, que preferiam paca, tatu, macaco ou as próprias índias.

Na realidade, Marcos Odilon gosta de uma controvérsia, e fica fazendo essas releituras da história, lançando chacotas contra as cidadezinhas e elogiando ditadores como Emílio Médici, corruptos como o Papa Leão X e regimes políticos ultrapassados. Por exemplo, nesse livro já citado, Odilon defende a candidatura de Antonio Carlos Magalhães para Presidente do Brasil. "Quem for vivo verá o Brasil em boas mãos, sob um comando firme, falando forte e se impondo", advoga o escritor monarquista, sobre a suposta candidatura de ACM.

Mas eu boto tudo na conta do humorista nato que é o atual prefeito de Santa Rita. Ele escreve com feição irônica sobre os fatos da história, e ninguém fica sabendo se fala a verdade ou está apenas gozando com a cara do freguês. Sobre a Segunda Guerra Mundial, Odilon garante que Getúlio Vargas gostava de “raparigar”, e os navios, por causa da guerra, não estavam podendo trazer as raparigas da velha Europa. O Presidente chegou à conclusão de que o Brasil tinha que decidir a parada. Chamou os seus generais, criou a FEB e mandou para a Itália. Ao saber da decisão brasileira, Hitler e Mussolini estremeceram nas bases e levantaram a bandeira da paz, que ninguém é besta.

terça-feira, 26 de maio de 2009

O contista do patético

O contista do patético



Fábio Mozart

www.fabiomozart.com.br



Hildeberto Barbosa Filho assim se referiu ao escritor Geraldo Maciel, analisando os contos desse narrador único na Paraíba, terra onde o gênero conto ainda não produziu um artista do seu quilate.

Geraldo Maciel, nascido em Nova Palmeira, foi professor no Departamento de Engenharia de Produção da UFPB, e faleceu neste final de semana. Era conhecido por Barreto, foi militante dos movimentos políticos e sociais, mas se destacou mesmo no campo da cultura, como editor e autor. Assis Brasil disse que alguns contos de Geraldo Maciel são verdadeiras obras-primas. O crítico Bernardo Ajzember, da Folha de São Paulo, salienta que as características mais importantes na obra de Maciel estão “na sofisticação do estilo e na costura consciente de um vocábulo refinado”. Autores e críticos são unânimes em perceber a genialidade desse escritor paraibano, precocemente desaparecido.

Em 1995, lançou seu primeiro livro de contos, “Aquelas criaturas tão estranhas”, pela Editora Rio Fundo, do Rio de Janeiro. Nesse intrigante livro, Geraldo Maciel apresenta seus personagens, “gente simples, soldados, prostitutas, agricultores, pequenos proprietários, manicures, artistas populares. Um exército de pequenas pessoas, com seus dramas, grandezas e misérias, traçando uma teia que os enreda, onde a redenção e a queda, a alegria e a tristeza, a salvação e a culpa são faces da mesma moeda”. Escreveu também “Inventário de pequenas paixões” e “O concertista e a concertina”.

Para mim, que tive a oportunidade de ler sua obra no ano passado, não ficam dúvidas: é o contista mais importante da Paraíba. Mais que os medalhões que aparecem nas gazetas, os influentes que fazem parte das panelinhas literárias da Paraíba. Esse admirável escritor tem na sua pequena obra a expressão mais instigante, a prosa mais elegante e criadora desse gênero tão difícil que é o conto, em terras paraibanas. A humanidade exposta nas suas histórias é prenhe de lucidez, envolta no patético, no desespero, na fome e na mesquinhez do dia-a-dia. O encantamento, porém, não vem só da visão social, mas do refinamento e criatividade.

O professor Barreto merece estar na galeria dos nossos mais significativos autores, nessa ingrata modalidade literária que é o conto. Sua obra é surpreendente na originalidade de contar uma história com começo, meio e fim, sem desfecho inesperado, mas com um estilo ímpar, usando recursos próprios de um escritor completo e originalíssimo.

Em toda minha vida, tentei redigir dois contos. Ficaram tão capengas que concluí: isso é tarefa para quem tem o talento. Fico imaginando que o estilo vigoroso de Geraldo Maciel ainda estava maturando, e quantas pérolas restaram em suas gavetas, esperando para tornarem-se universais, patrimônios da humanidade. Pelo menos que a Paraíba conheça sua obra e a valorize, já que em vida o humilde professor não teve o reconhecimento que sua genialidade merecia.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O cão chupando manga na terra de Zé da Luz

O cão chupando manga na terra de Zé da Luz
Fábio Mozart

Neste dia 26 de maio, Itabaiana comemora 118 anos de emancipação política. Quero neste espaço cibernético dizer que muita gente me escreve, pedindo para mudar de assunto. Deixar de falar sobre Itabaiana e sua gente, universalizar mais os temas. Eu, sendo um sujeito nostálgico, e já entrando na meia idade, prefiro fazer essa literatura de segunda tratando de minha aldeia, mesmo porque a própria literatura nada mais é do que a dor recordada, o sonho relembrado, o passado vindo à tona. Escrevendo sobre os fatos passados de minha cidade, esses eventos tão corriqueiros mas imensamente importantes para mim se revestem de permanência, passam a existir além de minha vida mesquinha e serão o testamento de nossa vivência na aldeia de sonhos.

Escrever é algo tão efêmero quanto existir. Falo aqui dos meus desconfortos, de minhas aspirações, e a palavra escrita serve para me reabilitar aos meus próprios olhos. Mas o foco é Itabaiana. Porque já escreveu com maestria o escritor alemão Stefan Heym, que o escritor jamais deve deixar sua aldeia, sua cidade, suas origens. “Entesoure-as no coração, santifique-as em sua mente, pois suas origens lhe dão sua alma, sua humanidade. Ao recordar com paixão de sua terra, você estará escrevendo sobre um lugar em particular, sobre pessoas em particular, mas dará a eles também o que todos reconhecerão, a universalidade do homem e da arte em si”.


Portanto neste dia 26 de maio, gostaria de comunicar que tive um encontro com o cartunista campinense Fred Ozanan, auto didata como eu, jornalista e artista gráfico, chargista político, um dos artistas mais premiados em sua área no Brasil. Esse “cão chupando manga” estava em Itabaiana tratando de um projeto para o memorial de Sivuca, que a prefeita dona Dida vai ofertar ao Município, naquela praça Epitácio Pessoa, a mesma praça onde cansei de brincar, onde levei muitas carreiras do “juiz de menor” Zé Rodrigues pelo grave delito de jogar futebol no meio da rua.

Esse Fred Ozanan foi quem pegou uma cidade chamada Cabaceiras, nos cariris velhos da Paraíba, lugar onde menos chove no Brasil, e transformou aquele burgo numa cidade cenográfica, onde já foram rodados muitos filmes, incluindo a mini-série da Globo, “Auto da Compadecida”. Hoje Cabaceiras é considerada Município Prioritário para o Desenvolvimento do Turismo pela EMBRATUR. Por isso minha alegria em saber que Fred está projetando o memorial do mestre Sivuca, para quem sabe direcionar a velha Itabaiana para o turismo cultural, culinário e ecológico, que esse povo hospitaleiro merece melhor sorte.

Aproveitei e levei Fred Ozanan para visitar o local onde vai funcionar o Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, da Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba. Ele ficou encantado com o projeto. Dono de uma peculiar visão crítica do cotidiano, Fred sabe que uma cidade interiorana só terá chance de pensar num futuro melhor se preservar as tradições de sua gente. Ele tem um carinho especial pela arquitetura antiga, fez muitas fotos de nossa ponte velha, dos casarões que restaram e outros pontos históricos.

Fred Ozanan, em sua genialidade, vendeu o sol como atração turística de Cabaceiras! Esse “embaixador do Nordeste”, como o trata o poeta campinense Manoel Monteiro, pega sua paixão pela cultura popular, consegue “dar forma ao imaginário” e transforma a riqueza cultural do interior da Paraíba em possibilidades de desenvolvimento econômico para nossas cidades tão pobrezinhas. Por isso meu entusiasmo ao ver a intenção de parceria do mestre Ozanan com a Prefeitura local. Porque Itabaiana oferece aspectos culturais únicos de interesse para o turista cosmopolita. É só acreditar em nosso potencial e contar com artistas do naipe de Fred Ozanan.

A ousadia é que faz grandes idéias tornarem-se realidade. A vontade política, o olhar lúcido e comprometido com o bem estar social, também. Mas é necessário que isso esteja aliado à idéia de um desenvolvimento comprometido com a cultura local. Assim, é possível um turismo cultural garantidor da preservação do patrimônio cultural e natural. Somente dessa forma, a sustentabilidade não se restringirá a aspectos econômicos, mas também atentará para o respeito aos cidadãos e às comunidades locais. É isso que aspiro neste 26 de maio, quando também se comemora aniversário do mestre Sivuca.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

FABIO MOZART / Morreu a voz da velha Caetana

Morreu a voz da velha Caetana

Fábio Mozart

Pra quem não sabe, a “velha Caetana” é o nome que os nordestinos do interior dão à morte. Pois a “indesejada das gentes” colheu o velho Bebé, o sacristão que passou mais de meio século anunciando a morte dos outros. Sim, porque em Itabaiana ninguém poderia dizer que morreu se Bebé não cumprisse o “doloroso dever” de anunciar o óbito no serviço de som da igreja.

Bebé encontrou o repouso depois de longa doença, acometido que foi da síndrome da aposentadoria. Explico: dizem que o sujeito que se aposenta e fica em casa sem fazer nada, morre depressa. Mesmo aposentado, Bebé não quis se afastar dos seus afazeres de sacristão nem abrir mão das gorjetas que recebia para anunciar falecimentos. Ainda outro dia ouvi comentários de alguns amigos de Itabaiana sobre a falta que fazia Bebé, desde que o padre resolveu mandá-lo definitivamente para casa e ele não soube viver longe do seu universo de santos, cantochões, defuntos e velas. Enfim se confirmou a efemeridade da vida para um homem que passou sua existência anunciando a morte.

Merece, portanto, o nosso Bebé esse anúncio público, se não na difusora na igreja, mas nesse espaço cibernético. Presto uma homenagem ao homem tranqüilo e afetuoso que foi o “Bebé da Igreja”. A jornalista itabaianense Kátia Rogéria escreveu bela crônica sobre o nosso sacristão no jornal literário Itabaiana Hoje, de Geraldo Almeida. Saiu na edição de setembro de 2007, onde pincei alguns trechos:

“Ele não é padre e, afeito aos prazeres terrenos, ainda toma “umas” de vez em quando. Mas na história da Igreja Matriz de Itabaiana certamente não houve alguém mais dedicado. Ainda criança, quando nem completara os dez anos de idade, Evandy Alves Cavalcante, conhecido por todos como Bebé, começou a ajudar na igreja. Hoje, aos 70 anos, o mesmo templo católico preenche seus dias noites.

E o tempo segue unindo Bebé e a belíssima Igreja Matriz, como se já não fossem passados mais de 60 anos de dedicação. Ainda em 1946, quando as missas ainda eram celebradas em latim, Bebé começou a colaborar na Igreja. “Me lembro bem que o padre celebrava a missa de costas para os fiéis e lia o Evangelho em latim”, ele recorda.

O garoto que nasceu numa família de quatro irmãos – sendo ele o mais velho e único homem – no dia 13 de fevereiro de 1937, sentia-se realizado quando participava de uma missa, um casamento ou batizado. “A primeira missa celebrada pelo Padre Martinho, itabaianense, filho de Idalício Fonseca, foi uma das celebrações mais emocionantes que já vi”, lembra Bebé.”

De Bebé tenho uma lembrança hilária. O Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana estava ensaiando todas as noites na Igreja, para a encenação da Paixão de Cristo. Bebé ficava pacientemente todas as noites até tarde, esperando para fechar o templo depois do ensaio. Uma noite, alguns atores do grupo fizeram uma brincadeira sem graça: enfiaram piolas de cigarros nas bocas dos santos. De manhã, o padre Pedro ficou estarrecido ao ver suas imagens exibindo bagas de cigarros entre os lábios sagrados, e proibiu terminantemente a continuidade dos ensaios na Igreja, mesmo porque algum engraçado havia tomado o vinho da missa, usando hóstias como tira-gosto. Mas o nosso velho Bebé de guerra arrumou um jeito de abrir a Igreja quando o padre ia dormir, para o grupo ensaiar a Paixão de Cristo, que foi a mais bem elaborada de todos os tempos. Como prêmio, a gente se cotizava para pagar uma meiota para o velho sacristão. De fato, nunca houve um sacristão mais raparigueiro do que Bebé.

Que Deus o tenha, e que São Pedro arrume uma difusora pra ele anunciar os que chegam.

terça-feira, 19 de maio de 2009

FÁBIO MOZART / Lembrando o 24 de maio

Lembrando o 24 de maio

Fábio Mozart

Quando eu era garoto em Itabaiana, no dia 24 de maio vestia a farda de gala da escola João Fagundes de Oliveira e saía em marcha batida para uma pontezinha que fica entre a saboaria e a igreja assembléia de Deus. No local, as professoras liam trechos de compêndios de História, os alunos mais afoitos declamavam poemas e os tímidos, iguais a mim, apenas ficavam olhando para as pernas das meninas, tentando entender o verdadeiro significado daquele cerimonial. Mas naquelas cabecinhas meio vazias ficava um quê de orgulho, porque ano a ano solidificavam em nossas mentes uma história bonita de guerra, de heroísmo e patriotismo por parte de antigos habitantes destas terras.

Era a famosa batalha do Riacho das Pedras. Mais de duas mil pessoas de Pilar, Itabaiana e Pedras de Fogo se reuniram para enfrentar o exército português, numa briga nunca vista nesse Nordeste velho de guerra. No fim do conflito, restaram mortas cerca de 400 pessoas, tingindo de vermelho o riacho que ainda hoje corta Itabaiana. Foi em 1824 esse marco histórico das lutas pela independência do Brasil. Ironia: nos anos de chumbo da ditadura militar, as cândidas professoras louvavam o exemplo dos que deram suas vidas por uma pátria livre, sem saber que os porões do regime de força estavam cheios de heróis modernos sendo torturados e mortos naquele instante, apenas porque sonharam com um país mais justo e mais fraterno.

Os nomes dos heróis: Félix Antonio, José de Brito Jurema e tantos outros, articuladores da Confederação do Equador, movimento de resistência dos brasileiros contra as arbitrariedades e perseguições dos portugueses. Ficaram também os nomes grandiosos de Padre Antonio Félix Cardoso, Antonio José Barbosa, Custódio Vaz de Carvalho David de Leopoldo Targino, Francisco Borges, Faustino Soares e o pernambucano José Apolinário Farias, guerreiros e líderes daqueles dias, todos mortos ou degredados pelo opressor português.

Com o passar dos anos, deixamos de reverenciar nossos heróis. Até uma plaquinha indicando o local dessa singular peleja desapareceu do local. Esses homens que doaram suas vidas pela construção da nação brasileira mereciam monumentos, deviam ser lembrados por todas as gerações, como se faz nos países que respeitam sua própria memória. Não temos esse costume, infelizmente. Hoje, se você perguntar a um aluno da escola João Fagundes de Oliveira o nome de um herói nacional, provavelmente ele vai dizer que é Ronaldo “o fenômeno”.

Sonhar com a volta ao resgate histórico de personagens que fizeram a nossa história é o que posso fazer nessa data de 24 de maio. Na América do Norte, eles não cansam de lembrar os feitos dos seus heróis, alimentando o patriotismo do povo. Inspirados nos seus grandes líderes, as novas gerações construíram uma nação poderosa.

O padre Antonio Félix Cardoso era maçom. Esse bravo sacerdote católico foi preso pelos portugueses, sofrendo graves suplícios nas masmorras coloniais, pelo crime de lutar por um Brasil independente. Dizem que na batalha do Riacho das Pedras, o padre Antonio lutou com um clavinote numa mão e o rosário em outra. À medida em que abatia um soldado português, ele rezava ligeiramente pela salvação da alma do suplicante. Igual a Frei Caneca, também maçom, um dos idealizadores da Confederação do Equador, o padre Antonio Félix bem que merecia uma reverência da loja maçônica de Itabaiana, para não passar em brancas nuvens o 24 de maio.

O ideário de liberdade e autonomia política teve, assim, seu ponto alto nessa batalha em Itabaiana, a primeira cidade a lutar pela independência do Reino de Portugal em terras tabajarinas. Esses heróis o Brasil desconhece, mas sem o sangue generoso deles não haveria história.

No Piauí deu-se uma batalha semelhante em 13 de março de 1823, quando tropas portuguesas leais à coroa e um exército improvisado de vaqueiros e lavradores travaram batalha às margens do riacho Jenipapo no município de Campo Maior. Também foi uma luta decisiva para a consolidação da independência do Brasil. Mas lá, diferente de Itabaiana, ainda hoje se reverencia esse fato histórico. Aqueles heróis piauienses tiveram que esperar muito pelo reconhecimento do seu feito memorável, mas depois foi construída coluna comemorativa, monumentos, placas metálicas, exposição de peças de artilharia e outros artefatos que contam a História para as gerações seguintes. O Exército Brasileiro deu o nome de “Batalhão Heróis de Jenipapo” a um batalhão de engenharia. Até o poeta Carlos Drummond de Andrade homenageia aqueles heróis no poema “Cemitérios”.

Falando em poetas, para encerrar, cito os versos do poeta turco Nazim Hikmet: “Se eu não me queimo, se tu não te queimas, como as trevas se farão amanhecer”?

FÁBIO MOZART / Briga de galo em Mari

Briga de galo em Mari

Fábio Mozart

A inspiração para esta croniqueta me veio após leitura de um livrinho que remete a lembranças da velha Pilar e da encantada cidade de Mari. O livro tem por título “Pilar”, de José Augusto de Brito, filho de seu Augusto e de dona Mocinha, sujeito que, igual a mim, dedicou sua vida a trazer ao conhecimento “de meia dúzia de abnegados que me leem, a vivência, os tipos característicos, as belezas imorredouras e fatos alegres e tristes” da querida terrinha. No livro, José Augusto insere uma crônica falando de sua vida profissional “na difícil e antipática missão de cobrador de impostos”.

Começou em Princesa Isabel, nos confins do sertão paraibano, e foi parar em Sapé, onde reinava um coletor duro na queda, o itabaianense Roderico Borges, vigilante vinte e quatro horas na tarefa de cobrar os impostos devidos ao Estado. Na volta de Roderico, a coletoria teria que duplicar a arrecadação.

Pois o nosso José Augusto foi mandado por Roderico à cidade de Mari, para fazer uma devassa, substituindo o coletor João de Barros que só pensava em briga de galos, esquecendo o dever de cobrar impostos. Só que José Augusto, de tanto se envolver com galistas, virou também um aficionado desse esporte, tendo prazer em ver os galos se despedaçando em uma arena. Em vez de se preocupar com os talões e notas fiscais, com a repressão aos sonegadores, o homem estava se tornando mesmo um especialista em esporões, bicos e todo o ritual das brigas de galo.

Na cidade de Pedro Tomé, a sonegação andava solta, mas o coletor era juiz de briga de galo, e dos bons! Quase todos os habitantes da cidade eram galistas, menos o padre e mais meia dúzia de sujeitos esquisitos. “Só se falava em rinha e aposta. O coletor, só ele, possuía mais de cem galos de briga”, constatou Augusto.

Como a renda caiu, Roderico Borges resolveu fazer uma visita de surpresa à coletoria de Mari. Chegou no dia da feira e encontrou a coletoria fechada. Procurando saber do paradeiro do coletor, um cabra o levou a um galpão onde já estavam galos que cocoricavam, homens que palestravam e criadores dos bichos. Logo depois começaram os risos, insultos, gritos, cochichos, gargalhadas e papos de galistas, sopesando galos num clima de véspera de luta. E nada do coletor José Augusto!

De repente, escolhidos os dois galos para a primeira luta, as pessoas que se espremiam deram lugar para passar um homem de ar solene, suor escorrendo pela face. Chegou perto da rinha e ficou observando os galos inquietos, elegantes e rijos, cocoricando. O homem sisudo pegou nos galos, examinando-os. Apalpou, sentiu a rigidez dos músculos, observou as asas, as pernas o pescoço, o peito. Examinados os esporões e tudo o mais para ver se havia alguma fraude, deu-se a ordem para o início do combate. Foi aí que Roderico Borges saltou da arquibancada e gritou:

--- Aposto dez no galo preto e cem como o juiz está removido da Coletoria de Mari!

domingo, 17 de maio de 2009

Um mestre forrozeiro de Itabaiana

FÁBIO MOZART

Um mestre forrozeiro de Itabaiana


Paraíba do Forró nasceu em Itabaiana, e é reconhecido como Mestre da Cultura Popular pelo Ministério da Cultura. O nome dele é José Antonio Bandeira, morando atualmente na cidade de Santa Rita.

Em fevereiro deste ano, o Mestre Paraíba do Forró recebeu 10 mil reais como prêmio pelo reconhecimento de sua importância para a cultura popular paraibana. O dinheiro foi usado para construir sua casinha que estava quase caindo, no bairro popular na cidade dos canaviais. Agora, o Mestre está precisando de mais grana para terminar a reconstrução de sua moradia. Falta cimento para o reboco e o piso, além de cinco portas, uma janela e a pintura da moradia, além de recursos para mão de obra.

Os amigos estão apelando para a classe artística e demais pessoas da Paraíba para ajudar o Paraíba do Forró a construir sua casinha.
Como mestre dos saberes e fazeres da cultura tradicional popular, Paraíba do Forró é um tesouro vivo deste Estado. É dever do paraibano prestigiar “o talento daquele homem de voz rouca e bela ao mesmo tempo, um percussionista citado pelo jornalista João Pimentel, no Rio de Janeiro, na ocasião do lançamento do filme 2000 Nordestes, de Vicente Amorim e David França Mendes, como um Bob Dylan do sertão na cidade grande”. O artista, que esteve com sua gaita no Programa Caldeirão do Huck e no Programa do Ratinho, foi documentado por Roberto Berliner, no Som da Rua. Personagem do documentário de Paulo Dantas (A Caminhada de Paraíba do Forró), entrevistado no site Caverna das Idéias, citado no documentário Engenho das Artes e desde 2004 tem cantado e tocado em dezenas de escolas com o Projeto Cordel, além de realizar a sua principal atividade artística: mostrar seu trabalho no interior dos ônibus de João Pessoa nas linhas 510, 511, 301, dentre outras.

Por isso, apela-se para que, neste São João, as nossas prefeituras contratem Paraíba do Forró para se apresentar nas festas públicas. Especialmente Itabaiana, sua terra natal. Daí meu apelo específico ao nobre poeta Antonio Costta, diretor de cultura da Prefeitura de Itabaiana, para que inclua Paraíba do Forró entre as atrações das festas juninas vindouras.

Paraíba do Forró é o filho de Vassoura, uma das mais importantes figuras folclóricas da história da Paraíba. Era ela que andava montada em um cavalo, empunhando a bandeira brasileira nos desfiles de 7 de setembro. Até entrava no palácio do governo com seu animal. Tinha a simpatia de João Agripino, que chegou a lhe conceder uma pensão. Isabel Maria Bandeira, como ela bradava, fez história e vive no imaginário popular. Certamente o então governador teve a sensibilidade de reconhecer os préstimos de uma inusitada defensora da pátria. Ela faleceu em 2000, mas foi lembrada por Flávio Tavares naquele belo quadro da Estação Ciência.

Transcrevo as informações do cordelista e educador Francisco Finiz, de Santa Rita, e me junto ao seu apelo para ajudar Paraíba do Forró que vive em dificuldades, como todo artista popular do Brasil.

Paraíba do Forró carrega consigo o dom de alegrar as pessoas com sua música e com o seu bom humor. “Nossa sociedade precisa despertar para a valorização dos vultos populares, isto é uma questão de justiça, mas também de educação. Só um povo educado reconhece o saber e a grandeza dos veiculadores da alegria e do sentimento, representados por agentes como Paraíba do Forró”, afirma o cordelista Francisco Diniz.

O celular de Paraíba do Forró é 8867.0050.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Marly Costa, a poeta guerrilheira.

Marly Costa, a poeta guerrilheira

Fábio Mozart



Recebi mensagem de minha amiga Marly Costa, com elogios para serem publicados no meu próximo livreto sobre as coisas de Mari e Itabaiana. Elogios a gente nunca despreza, principalmente vindos de uma pessoa do quilate moral e intelectual de Marly Costa. Por sinal, ela está me devendo uma entrevista que será a mais importante da minha vida de repórter. Acontece que a nobre poeta Marly Costa simplesmente protagonizou um dos maiores episódios da luta armada na Paraíba, nos anos de chumbo da ditadura militar. Ela foi presa em Sapé juntamente com outros guerrilheiros do MR-8, entre eles o hoje mundialmente famoso documentarista Vladimir de Carvalho, filho ilustre de Itabaiana, a quem ela chamava carinhosamente de “Mima”.

Marly foi torturada nas masmorras da ditadura, mas sobreviveu com sua poética lírica e sua ternura intactos. Passou por todos os infernos e saiu invicta, com sua alma pura e nobre. Hoje ela sofre por conta dessas emoções do passado, e as cenas tensas que se passam no seu teatro interior levam à depressão. Só a poesia e o companheirismo dos amigos a salvam desses resquícios demoníacos.

Vamos às palavras de minha particular amiga:

“Falar de Fábio Mozart é para mim motivo de orgulho ímpar. Dizer o que do poeta popular, do dramaturgo invejável, do ator sem par? Dentro de minha insignificância, como apenas uma aprendiz de poeta, devo admitir que sou decididamente sua fã incondicional. Bebo em seus escritos, sorvo todos seus textos como a um bom vinho que degusto com prazer ilimitado. Irmano-me com suas posições políticas, sempre engajado nos movimentos de luta, quer seja na área literária ou na radiofônica. Sua história se mistura com a história do rádio clandestino na Paraíba e em Pernambuco.

Seu estilo jocoso, lírico, ternamente contundente consegue agradar a todos, de intelectuais a simples feirantes. Eclético, viaja do popular ao clássico, do cômico ao trágico com uma facilidade enorme. É isso que faz desse titular de um nome tão nobre, o intelectual sério e produtivo que é. Sempre atento a todos os acontecimentos, é uma presença constante, consciente e produtiva para sua região, que certamente se orgulha de ter um filho de tamanha grandeza”.

Só uma ressalva: não tenho nada a ver com rádio clandestino. As rádios onde militei e onde brigo ainda pelo direito à comunicação, todas elas têm endereço, responsável conhecido e identificado, registros oficiais e tudo. O que falta é a licença do Governo, que não atende às leis e deixa de conceder as outorgas. Portanto, clandestino pode ser o governo, e não as rádios populares.

Feita a ressalva, devo dizer que em tudo que escrevo falando dos heróis de nossa terra, dos anônimos e conhecidos guerrilheiros pela justiça e pela paz, pessoas como Marly Costa estão presentes, em alma e sensibilidade, pelo exemplo de vida, peregrinando ao encontro dos nossos fantasmas e vivências.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Banda Nova Euterpe

Banda Nova Euterpe - Patrimônio Vivo de Itabaiana

Fábio Mozart

A Banda Nova Euterpe é a sucedânea de outras sociedades musicais que existiram em Itabaiana desde 1888, quando a vila pertencia ao Município de Pilar. Nesse tempo todo, a banda desaparece e surge como a Fênix mitológica, no dizer do historiador Sabiniano Maia. Em 1901, o trem apitou pela primeira vez na terra de Zé da Luz, sendo saudado pela banda de música liderada por Alcebíades Araújo, um dos homens mais inteligentes de Itabaiana em todas as épocas. Manoel Araújo, o prefeito da cidade, pegou Alcebíades e formou uma escola de música. Em pouco tempo a filarmônica estava pronta, tocando seus dobrados e valsas no coreto da praça. O próprio prefeito tocava piston. Nessa banda tocava saxofone um rapazinho de nome Severino Rangel, que depois ficou conhecido nacionalmente como Ratinho, da famosíssima dupla sertaneja Jararaca e Ratinho.

Portanto, a banda de música de Itabaiana sempre existiu, alegrando sua gente, produzindo gênios da qualidade do mestre Sivuca e tantos outros músicos de escol. Já foi chamada de Filarmônica Itabaianense, Filarmônica Santa Cecília, Sociedade Musical Itabaianense, Banda Musical 24 de Maio e Euterpe Itabaianense. Atualmente, a banda se chama Nova Euterpe, comandada pelo maestro Zezé e abrilhantada por músicos da qualidade de Marreta, Chico Sanfoneiro, Walmir, Paulão, Tota, Zé Maria, Zé Guerra e tantos outros seguidores dessa tradição de Itabaiana. Pena que atualmente já não exista a escola de música da banda, onde crianças recebiam orientação musical gratuita, imprescindível para a transferência de conhecimentos e na formação de novos instrumentistas. É uma pena mesmo que hoje os músicos não possam se apresentar como antigamente, quando a banda saía da sua sede em formação militar, com os músicos de uniformes limpos, engomados, sapatos engraxados, quepes na cabeça, desfilando pelas ruas ao som de dobrados, em direção ao coreto da Praça Álvaro Machado. Atualmente eles não teem fardamento, os instrumentos estão obsoletos e a sede já não existe. Mas ainda resistem na preservação desta tradição itabaianense, lembrando grandes e abnegados músicos iguais a Ivanildo, Quirino e Henrique, homens que preservaram nosso passado romântico e artístico.

Hoje, as bandas de música são uma tradição que está morrendo no Brasil. Em Itabaiana, a banda depende dos chamados poderes públicos. Em 1986, o então prefeito Babá municipalizou a banda Nova Euterpe, doou novos instrumentos e uniformes, deu vida nova à entidade. Mas tudo no Brasil sofre solução de continuidade quando se trata da coisa pública. Entra outro administrador e as coisas mudam. A banda de Itabaiana sempre foi dirigida ora pela paróquia, ora por particulares, ora pela prefeitura. Na década de 1910, a banda era da Prefeitura, sendo proibida de tocar nas festas religiosas porque o prefeito brigou com o padre. Depois foi o contrário: o padre José Trigueiro brigou com o chefe político Dr. Flávio Ribeiro Coutinho e a banda já não tocava nos eventos oficiais.

Independente das brigas paroquiais, a banda vem se mantendo, com um histórico de apresentações memoráveis, chegando a ganhar um concurso estadual promovido pela Rádio Caturité de Campina Grande, nos anos 50. Entre seus mestres e grandes músicos, conta-se Pedro Carneiro, Mestre Flor, Manoel Cavalcante, Jovelino Cândido e Manoel Fuá, que tocava todos os instrumentos. Esse mestre Fuá era cobrador de feira, muito amigo de Toinho, tocador de piston e cunhado do respeitável professor Mendonça, que hoje dá nome a uma escola primária da cidade. Entre os músicos do passado, se conta José Tertuliano Ferreira de Melo, que cortava carne verde no mercado nos dias de feira, depois conhecido como Zuza Ferreira, um dos maiores poetas itabaianenses, o homem que ensinou Zé da Luz a fazer versos matutos e cortar paletós de linho branco na alfaiataria. Na fase áurea, despontavam o soprano Francisco Martins, contra-baixo Pedro Vieira, Manú na clarineta, o alfaiate João Pitu no piston, o guarda-livros Joaquim Abreu no bombardino, Manoel Jurema no trombone, o tipógrafo Pedro Ivo na clarineta, Severino Fagundes no trombone, Nezinho Ferreira na bateria e o porteiro da Prefeitura Laurentino Barbosa se garantia na tuba. Entre eles, havia um tal Pingolença, que era um homem muitíssimo inteligente. Pingolença tocava trompa na banda, além de ser desenhista, mecânico, pedreiro, pintor e mestre em outros ofícios. Foi ele quem montou o relógio da Igreja, doado por Odilon Maroja. Tudo isso eu conto no meu livro “História de Itabaiana em versos”.

Reza a lenda que o genial Sivuca, aos oito anos de idade, apontava os instrumentos por acaso desafinados que compunham a banda, quando a “furiosa” passava na porta de sua casa, em Campo Grande. Seu ouvido ultra- sensível sabia distinguir o valor de uma moeda pelo tilintar dela ao cair no chão.

Mas voltando à banda Nova Euterpe de hoje, é de se fazer um apelo à prefeita dona Dida para ajudar nossa banda civil. Quando nada, porque a banda de música tem suas origens na França, país que empolga nossa prefeita, onde ela viveu muitos anos, sorvendo sua cultura. A banda é mais do que um veículo de entretenimento coletivo, participando de movimentos políticos, acontecimentos religiosos, cívicos e sociais. No nosso caso, a banda é o próprio espírito da arte e da cultura desta terra, que deve ser preservado.

domingo, 10 de maio de 2009

FOLHA DE ITABAIANA

A Folha – patrimônio imaterial dos itabaianenses
Fábio Mozart

ornal oficial da prefeitura, foi fundado em 1926, quando era prefeito o Dr. Fernando Pessoa, que dá nome à rua “da ponte” na terra de Vladimir de Carvalho. Já foi considerado o jornal oficial mais antigo da Paraíba em circulação. Mas infelizmente as últimas gestões municipais deixaram de publicar “A Folha”.

N’A Folha escreveram grandes jornalistas, políticos e artistas de Itabaiana, numa época em que a politicagem não era a tônica nesta terra que já conheceu dias de glória na cultura e nas artes. A cidade de Itabaiana, “pequena jóia centenária engastada no Vale do Rio Paraíba”, foi palco de memoráveis lutas, nas primeiras batalhas pela independência do Brasil. Já em 1817, Itabaiana aderiu à Revolução Pernambucana, sendo o primeiro foco da insurreição que se alastrou rapidamente pelo interior e na capital. Em Itabaiana, foi formado um exército que marchou em direção à sede da capitania, quando se deu uma batalha que produziu muitos mortos e feridos. Itabaiana teve a glória de ter sido a primeira na Paraíba a proclamar a República, ocorrendo em solo itabaianense a primeira batalha pelos ideais republicanos. Portanto, temos história e um passado de cultura e fulgor intelectual.
No jornal “A Folha” escreveram o poeta Zé da Luz, o líder político e desembargador Heráclito Cavalcanti, o político Dr. Odilon Maroja, os jornalistas Arnaud Costa (meu pai), Cecílio Batista, Pedro Muniz de Brito, Olavo Freire e o grande tribuno Jurandy Barroso, além do historiador Sabiniano Maia e tantos outros intelectuais de grande talento, que contaram a história do dia-a-dia de Itabaiana nas folhas de “A Folha” durante tanto tempo.

Comecei minha vida de jornal escrevendo n’A Folha, como também fez o poeta, filósofo e lingüista Damião Ramos Cavalcanti e tantos outros jovens que aqui moravam e tinham a chance de publicar seus trabalhos neste jornal da Prefeitura. Folhear os arquivos de “A Folha” é encontrar a história de Itabaiana, refletindo os problemas e condicionalismos de várias épocas, sendo hoje ótima ferramenta para pesquisadores. Projeto inovador no registro do quotidiano político, social e cultural e na introdução da publicidade, “A Folha” surgiu há mais de 80 anos e hoje é um patrimônio imaterial dos itabaianenses, que merecia melhor atenção dos governantes. Porque fez História ou carreou elementos para ela, “A Folha” também entrou há muito na própria História.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

HISTÓRIA DO RÁDIO DE ITABAIANA - ( I )

Anotações para a história do rádio em Itabaiana – (I)

Fábio Mozart



Interessado em resgatar e documentar a história do rádio em Itabaiana, estou procurando entrevistar os pioneiros que trabalharam em radiodifusão na cidade. Entrevistei, até agora, meu pai Arnaud Costa, que me falou da primeira experiência radiofônica na terra de Vladimir de Carvalho, que foi a Rádio Clube de Itabaiana, empreendimento levado a cabo pelo Coronel Raul Geraldo de Oliveira no recuado ano de 1948. Hoje a cidade dispõe de duas rádios, uma comercial e outra comunitária, cumprindo seu papel de alavancar a economia e difundir a cultura local.

Abordando um tema até então inédito, é necessário, além de localizar e entrevistar mais pessoas, obter também documentos e fotos referentes a este período do rádio, bem como toda e qualquer informação a esse respeito. Nossa dificuldade encontra-se em, justamente, levantar essas fontes, dado que esse momento histórico do rádio em Itabaiana ainda não foi documentado pela história oficial. Com certeza meu amigo Ivo Severo possui material sobre sua Rádio Difusora Nazaré. Estou tentando localizar o locutor Cardoso, que hoje mora em João Pessoa, e peço aos amigos itabaianenses desta lista para colaborar com nosso trabalho, fornecendo informações a respeito dos radialistas pioneiros (endereço, fone, email, etc.) para depoimentos sobre os primórdios do rádio na terrinha.

Em Itabaiana, pretendo ouvir a professora Nel Ananias porque, conforme depoimento do gráfico Brão, era na sua casa o estúdio da primeira rádio da cidade. Depois vieram as rádios União, Vitória e Nazaré, além da rádio comunitária Vale do Paraíba, que só esteve no ar por um dia, sendo fechada pela Anatel.

Recuperar a memória do rádio em Itabaiana nos leva a buscar algumas fontes do que se tem escrito em relação ao assunto, e refletir sobre o que representou para a região e certamente para a história da radiodifusão paraibana. Como referência bibliográfica, temos o livro “História da Radiodifusão na Paraíba”, do radialista Pereira Nascimento. Mas a nossa fonte será mesmo o registro de lembranças das pessoas que participaram dessas experiências radiofônicas e alguns acervos particulares que por acaso não foram destruídos ao longo dos anos.

Nas próximas postagens, espero incluir já algumas informações gerais sobre as rádios de Itabaiana, seus principais personagens e temas relacionados. Nossa expectativa é de que as informações levantadas constituam em um acervo digno de se transformar em livro.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

@ Sivuca genérico tocou um baile na França.

Sivuca genérico tocou um baile na França.

Fábio Mozart

Se eu contar ninguém acredita. Mas quem conta é Fernando Morais, autor do livro “Chatô, o rei do Brasil”, biografia do paraibano Assis Chateaubriand, o irresistível e amoral chefão da máfia da comunicação que atendia pelo nome de Diários e Emissoras Associados.

Na qualidade de paraibano adotivo, adianto que Chatô só nasceu na Paraíba, mas fez curso de cafajeste em Pernambuco e doutorado em malandragem na então capital federal, Rio de Janeiro. O ultra conservador Gilberto Freire defendia que Chateaubriand assumisse sua condição de pernambucano, “pois foi em Pernambuco que ele teve sua formação intelectual”.

O “pirata da Paraíba”, como o chamou a revista americana Time em uma reportagem-perfil publicada em 1957, inventou de realizar um baile no castelo de Coperville, nas cercanias de Paris. O projeto era apresentar o Brasil para os europeus, mostrar o “verdadeiro Brasil que a Europa não conhece”. Para isso, pegou dinheiro com empresários brasileiros e acabou promovendo um espetáculo que foi o grande escândalo social de 1954. Só para levar os cem convidados brasileiros, Chateaubriand fretou dois aviões da Panair, sem contar os vôos especiais com as orquestras, músicos e sambistas. Fernando Morais narrou assim:

“Os jardins do castelo foram invadidos pela Orquestra Tabajara da TV Tupi, tocando um frevo pernambucano. Atrás vinham Elizeth Cardoso, Ademilde Fonseca, Zé Gonzaga, Jamelão e Pato Branco, um sanfoneiro albino que se fazia passar pelo músico Sivuca, que não pudera comparecer, e cuja presença na festa tinha sido exigida pelo dono dos Associados”.

Foram 205 mil dólares esbanjados naquela orgia em Paris. O jornal Tribuna da Imprensa castigou: “A farra em Paris teve a indulgente presença da mulher do Presidente da República, Getúlio Vargas, e de sua filha, constituindo-se uma afronta às dificuldades com que luta o povo brasileiro. “O pai dos pobres” não é capaz de explicar com que dólares foram custeados esses aviões especiais, essa revoada de aventureiros que participaram da dispendiosíssima bagunça no castelo de um novo-rico”.

Para nós fica a perplexidade de ver que Chatô realmente não tinha amarras morais de qualquer espécie. Não podendo contar como Sivuca na festa, contratou um genérico.

@ CAIXA ECONÔMICA UMA VERGONHA FEDERAL

Caixa Econômica: uma vergonha federal.

Fábio Mozart

Não sei se Luiz Inácio Lula da Silva usou caixa dois na sua campanha, como querem seus inimigos, mas sei que na Caixa Econômica Federal não tem caixa dois. Pelo menos na agência da cidade de Itabaiana, falta o caixa dois para atender melhor aos clientes que têm a infelicidade de precisar dos serviços daquele banco oficial.

No dia cinco de março, precisei receber meus proventos de aposentado, e tive que enfrentar fila porque no caixa eletrônico não realizava a operação, fato que vem se repetindo todos os meses. Já procurei o gerente da agência que, apesar da boa vontade, não conseguiu sanar o problema. Pois entrei numa fila quilométrica, já que estavam pagando salários das prefeituras de São José dos Ramos e Juripiranga, cidades vizinhas que não têm agências bancárias. Fiquei nessa fila por três horas e quarenta minutos cravados. Só um caixa atendia os usuários.

Durante esse tempo de fila, fiquei observando as reações das pessoas e pensando nesse problema das filas. Os bancos gastam fortunas com publicidade para atrair clientes, disponibilizam milhões em recursos humanos, para apresentar um resultado vergonhoso na hora de atender diretamente ao cidadão. Será que é estratégia para forçar o uso dos caixas eletrônicos? Segundo voz corrente entre usuários de bancos, a Caixa Econômica Federal é campeã em atendimento ruim. Imaginem uma propaganda de um banco que investisse em logística para diminuir as filas: “venha para nosso banco que quase não tem fila”. Uma fila rápida, para atender principalmente ao povão, que não tem acesso a site, call center e outros serviços modernosos. Esse diferencial seria o pulo do gato no sistema financeiro.

Mas voltemos à fila da Caixa de Itabaiana. Entrei na fila às 11 horas, e saí às 14 horas e 40 minutos. Nesse tempo, deu para sofrer com os dramas do cotidiano, rir com a comédia de um povo miserável mas feliz, e refletir porque esse povão é tão conformado. De vez em quando aparecia uma mocinha para ajeitar a fila, entortando-a para dar entrada aos novos condenados que iam chegando. Um gaiato por nome Camarão, locutor de uma rádio comunitária de Juripiranga, era o mestre de cerimônia. Quando entrava uma pessoa no banco, ele gritava: “atenção, chegou mais um, bem vindo ao inferno, cidadão!”. Todo mundo ria. De vez em quando acontecia uma movimentação hostil no meio da fila, logo acalmada. Nada grave, apenas mal entendidos entre pessoas num ambiente estressante. Quem tentava furar a fila, recebia uma esculhambação coletiva. O brasileiro só se manifesta na iminência de ser ludibriado na fila de banco. Ele não suporta um “fura fila”.

Uma senhora pediu à dona que estava às suas costas para ir em casa. “Preciso ir em casa, a senhora guarda o lugar pra mim?” Claro que haveria tempo para ir em casa, a fila andava a passos de cágado, e ainda não deu meio dia. A mulher foi e voltou em mais ou menos uma hora. Ela morava na vila de Guarita, a 18 quilômetros de Itabaiana. Se morasse em João Pessoa, daria tempo pra ir e vir.

Chegou uma mulher vendendo tapioca, que logo acabou. A fome já era grande. Duas horas no meu relógio (banco não tem relógio público), a fila sempre no seu estado de inércia, o martírio aumentando, as pernas doendo, a coluna queimando. Tensão, aflição e ansiedade que eram cortados de vez em quando por uma piada mais interessante do Camarão. Com a sede, notei que na agência bancária não havia água disponível. Banheiro, se há disponível, ninguém sabe, além daquele que exibe um aviso na porta: “acesso restrito aos funcionários”. No meio do tormento, com sede, fome, impaciência e irritação, já estava quase desistindo quando fui tomado pelo espírito da persistência. Depois de tanto tempo naquela fila... Uma senhora chegou e foi para o caixa, sem entrar na fila. Protesto geral. Quando terminou de ser atendida, ela voltou-se para a fila e gritou: “eu tenho direito, tenho mais de 60 anos de idade”. Apontando para mim, ela disse: “o senhor, de cabelo branco, deve ter mais de sessenta, venha para o atendimento preferencial”. Sorri agradecendo, encabulado... Que inveja daquela simpática senhora!

Meu suplício finalmente chegou ao fim. O caixa que me atendeu, amigo de infância, até pediu desculpas pelo tempo na fila, disse que o gerente sempre pede pessoal mas a Caixa não manda. “No interior é assim”, afirmou. Nem ele sabia que uma lei municipal protege os clientes, que não podem passar mais de meia hora na fila. É a lei 223/2007, que obriga os bancos de Itabaiana a instalarem assentos, senha de atendimento, bebedouros de água e sanitários para o público. Vou reclamar no Ministério Público.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

@ SÃO JOSÉ DOS RAMOS TEM UMA DAS PIORES ESCOLAS DA PARAÍBA

SÃO JOSÉ DOS RAMOS TEM UMA DAS PIORES ESCOLAS DA PARAÍBA

Das 629 escolas paraibanas que foram avaliadas pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), 594 ou 94,4% obtiveram nota abaixo da média nacional e apenas 35 alcançaram os 50,52 pontos exigidos. Na rede pública, apenas três estabelecimentos alcançaram o índice.

A Escola Joselyn Veloso Borges, em São José dos Ramos, está relacionada entre os dez piores resultados da Paraíba, tendo alcançado apenas 36,84 pontos no Enem.

@ Desrespeito à mulher e à cultura regional

Desrespeito à mulher e à cultura regional

Fábio Mozart

A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária no Estado da Paraíba está iniciando campanha para debater conteúdo musical nas emissoras populares de baixa potência, numa guerra contra o mau gosto e o embrutecimento da juventude. Trata-se de discutir se vale a pena seguir a orientação da mídia radiofônica regional, que veicula o que existe de pior, o lixo da cultura popular travestido de “forró”. Esse lixo desqualifica a mulher, envenena a juventude e presta um desserviço sem tamanho à nossa autêntica música regional.

Por exemplo, uma pseudo-música que fala de 'beber, cair e levantar', ou 'dinheiro na mão e calcinha no chão' é uma coisa educativa para se tocar em uma rádio que se diz de caráter cultural e educacional? É triste ver as jovens rebolando lascivamente ao som de letras que dizem: 'vou soltar uma bomba no cabaré e vai ser pedaço de puta pra todo lado.' No momento em que se combate a violência sexual contra as mulheres, esse tipo de música grosseira e violenta é uma verdadeira barbárie. Sabe-se que o esquema envolve muito dinheiro, essas bandas de forró eletrônico fazem parte de um projeto que visa consolidar um monopólio da produção e execução de música na mídia nordestina, câncer que nasceu no Ceará e hoje toma conta de toda região.

Essas bandas que hoje se multiplicam por todo o Brasil estão matando o autêntico forró nordestino, contaminando a juventude de todos os extratos sociais, fechando as portas para a produção musical de qualidade e formando uma geração que está se acostumando tragicamente ao lixo musical. Na Paraíba, temos uma banda chamada “Tocaia da Paraíba” que é um primor de inventividade, de sonoridade nova sem perder os alicerces da verdadeira música nordestina. Quem já ouviu falar do “Tocaia da Paraíba”?
Rádio comunitária existe para dar qualidade de vida plena à comunidade, e isso é impossível com a mediocridade cultural, a intolerância, o incitamento à violência sexual e ao alcoolismo. Na nossa rádio comunitária Zumbi dos Palmares, de João Pessoa, estamos radicalizando: só tocamos música boa, e de artistas paraibanos. Rádio comunitária é uma entidade sem fins lucrativos, que tem como finalidade maior a divulgação da cultura regional, conforme a Lei Federal 9.612. Pensando nisso, estamos procurando os artistas para incluir sua obra na grade de programação, em troca eles concordam em ceder e transferir todos os direitos autorais, em relação ao conteúdo da obra para veiculação na Rádio. De quebra, a rádio se livra das cobranças do ECAD. Perde audiência? Claro. Mas quem disse que rádio comunitária está atrás de audiência? É um exemplo a ser seguido por quem pensa rádio comunitária como um instrumento de elevação cultural e respeito aos valores da comunidade.

@ O homem que mijou na Paraíba

O homem que mijou na Paraíba

Fábio Mozart

Acabo de ler o livro “Chatô, o rei do Brasil”, de Fernando Morais, um tijolo de mais de 700 páginas contando a vida de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, político e empresário paraibano de Umbuzeiro que se tornou dono de um império de comunicação. Entre os anos de 1910 a 1960, esse homem mandou e desmandou no Brasil, até que uma trombose o prostrasse numa cadeira de rodas. Mesmo paraplégico, ainda teve forças para participar como ativo conspirador da quartelada que derrubou o Presidente João Goulart.

Igual a Ney Suassuna, Chateaubriand cismou um dia de ser senador pela Paraíba, mesmo tendo saído daqui garoto. Não tinha bases eleitorais, mas “onde o dinheiro vai e não resolve é porque foi pouco”, segundo o adágio popular. A ficha do homem não era brincadeira. São dezenove crimes que teriam sido praticados pelo jornalista, desde tentativa de homicídio a chantagem e suborno. Ele gostava de explicitar suas idéias fascistas e racistas, além de ter sido, talvez, o maior entreguista da história do Brasil. Diziam seus inimigos, mas não provavam, que ele começou na vida do crime roubando merenda dos primos menores.

Usando a força de sua cadeia de rádio e televisão, Chatô conseguia o que queria. Até o ditador Getúlio Vargas foi forçado a assinar um decreto modificando o Código Civil, para que o jornalista paraibano pudesse ganhar a guarda de sua filha Tereza. “Se as leis são contra mim, que se mudem as leis”, dizia ele.

Em 1951, Chateaubriand decidiu que seria senador pela Paraíba. O problema é que as eleições só seriam realizadas em 1954, e ele queria ser senador já. A solução foi fazer com que o senador Vergniaud Wanderley e seu suplente Antônio Pereira Diniz renunciassem aos respectivos cargos em troca de favores governamentais do Presidente Getúlio Vargas, sendo convocadas eleições suplementares para o dia 9 de março de 1952. Essa vergonhosa barganha foi saudada nos jornais de Chateaubriand como “uma saudável evolução dos costumes políticos na Paraíba”.

Na campanha, Chatô veio três vezes à Paraíba. Nas raras visitas, descia do seu avião aclamado pelos chefes políticos locais, entre eles o governador José Américo de Almeida. Segundo Fernando Morais, “o avião pousava e então repetia-se um ritual grotesco: Chateaubriand descia e urinava ali mesmo, na frente de todos. Sem lavar as mãos, apertava a mão de um repugnado José Américo e continuava cumprimentado homens e mulheres com as mesmas mãos sujas”.

Depois, ele disputou a reeleição, mas foi derrotado por João Arruda. Justificando a derrota, afirmou: “eu não podia mesmo ser escolhido por uma gente cretina, ingrata e atrasada como esse povo da Paraíba”.

Para voltar ao senado, recorreu a Tancredo Neves, coordenador político da campanha de Juscelino Kubitschek à presidência da República, para que arrumassem um jeito dele ser senador “ou os Diários Associados iriam cravar o punhal nas costas do candidato”. Desta vez o Estado escolhido foi Maranhão, onde se repetiu a mesma operação feita na Paraíba. Houve reação dos políticos locais, entre eles o suplente de deputado federal José Sarney, futuro presidente da República e também senador paraquedista. No fim, Chatô ganhou do seu concorrente, o coronel Menezes, vencendo com mais de 70% dos votos, numa das eleições mais fraudulentas da história do Maranhão. Foram encontradas urnas com centenas e centenas de votos dados a Chateaubriand, todas preenchidas com a mesma letra. O entreguista Assis Chateaubriand gostava de dizer que era paraibano para justificar seus arroubos de machão e violento, mas nunca teve nenhuma consideração com seu Estado natal. Ele chegou a propor a anexação da Paraíba a Pernambuco “como única saída para o desenvolvimento do Estado”.