segunda-feira, 6 de julho de 2009

Fábio Mozart / O MOÇO DO DISCO VOADOR

Posted on 05:55 by MARCONI

O MOÇO DO DISCO VOADOR

Fábio Mozart

A mulher sentada no terreiro abana o feijão e o coração continua me apertando. A mulher espanta a galinha, põe mais lenha no fogo e eu olho pro menino, moleque reparando o fogo, a galinha e o céu nublado. Eu pergunto:

--- A senhora também já viu o disco voador?

--- Voador?

--- Sim, o disco que todo mundo já viu, no céu.

O menino interrompe:

--- Eu já vi. Ele vinha com toda mulesta, passou feito o cabrunco!

Meu coração continua me apertando. O disco voador é um elemento de sonho. Um beija-flor encantado na mente do moleque. Um domingo se escondendo no vestido mal cheiroso da mulher. Um cheiro de maçã envolvendo o feijão furado, de água e sal.

De que fala o disco voador? Se eu tivesse que ir para algum lugar nesse momento, queria ir ter com o moço do disco voador. Quem não quer ser amigo do rei? O moço do disco tem poderes. Em vez de voar para Passárgada, antipoeticamente, talvez com um ranço social, vem pairar sobre as casinhas mal ajambradas do brejo da Paraíba. Um ninho de disco voador em algum lugar nessas paragens tão sem nada.

O moleque quer cometer um desatino, forçando a gata a entrar no fogo. A mulher continua destramelada e sem tampa, conformada e vidente:

--- te dana daqui, Bastião! Seu moço, disco voador eu não acredito não. Mas acredito em pesador. Eu mesma já sofri com um pesador.

Meu coração procura com os olhos o moço do disco. Raul Seixas cantou até estourar, para o disco. Quando menino, eu gostava de ouvir estórias de trancoso. O moço do disco me remoçou. Paramos todos no mesmo lugar, eu, a mulher remelenta, o moleque sujo, nessa rua cinzenta. Por trás dessa rua passa um caminho de ferro, que não leva mais riqueza para lugar algum. Aí, a cidade pariu o disco.

Seis horas da tarde. A mulher acende a lamparina, morrendo de azia do feijão vencido. O menino corre pelas ruas, acompanhado de mais oito ou dez. Eles vão por lugares estranhos, ressuscitados do tédio, com gosto de vida e de feijão duro na boca.

Meu coração caminha devagar, procurando essa geografia imaginária. As pessoas com a cara na TV orgulham-se do moço do disco voador. O prefeito fala em construir um campo de pouso intergaláctico. A mulher velha, purgando entre os dedos o feijão queimado, olha para o céu, de onde começa a cair pingos grossos, pingando luto feito sino de finados.